1 - As Guerras da Unificação Alemã

A região da Europa que ficou conhecida como Alemanha era, antes das Guerras Napoleónicas, um território habitado por cerca de vinte e três milhões de habitantes distribuídos por 314 territórios independentes, governados por autoridades seculares ou religiosas. Grande parte desta região estava incluída no Sacro Império Romano-Germânico sob domínio da Casa de Habsburgo. Tratava-se de um território politicamente muito fragmentado e economicamente subdesenvolvido. Para esta última característica contribuía a ausência de um mercado unificado e a uma estrutura social antiquada em que prevalecia o poder feudal.

Após a Batalha de Austerlitz (2 Dezembro 1805), Napoleão Bonaparte extinguiu o Sacro Império Romano-Germânico e formou a Confederação do Reno (Junho de 1806), um grupo de dezasseis estados do centro e do sul da Alemanha. A Confederação foi inicialmente bem recebida pelos Estados alemães que a entenderam como um passo em direcção à unidade. No entanto, a 21 de Novembro de 1806, Napoleão decretou o Bloqueio Continental, o que teve como consequência a quebra no comércio com as dificuldades económicas daí resultantes, o que provocou grande descontentamento nos meios alemães. Quando a França foi derrotada na Batalha de Leipzig (16-19 Outubro 1813), a Confederação do Reno foi dissolvida. No Congresso de Viena (Novembro 1814 - Junho de 1815), foi criada outra confederação.

Em Viena, onde se reuniram as principais potências que participaram nas Guerras Napoleónicas, incluindo a França, foram feitas alterações ao mapa político da Europa. No dia 9 de Junho de 1815 foi assinado o Tratado do Congresso de Viena, um documento com 121 artigos. O tratado foi assinado pelos representantes da Áustria, França, Reino Unido, Portugal, Prússia, Rússia e Suécia. Por Portugal, assinaram o Conde de Palmela D. Pedro de Sousa Holstein, D. António de Saldanha da Gama e D. Joaquim Lobo da Silveira. Ao tratado foram também anexados dezassete documentos, quase todos respeitantes a questões territoriais.

O artigo 53 do Tratado do Congresso de Viena trata da formação de «uma perpétua Confederação que será chamada "Confederação Germânica" (Deutsche Bund).» O artigo 54 estabelece que o objectivo da Confederação é «a manutenção da segurança externa e interna da Alemanha e da Independência e Inviolabilidade dos Estados Confederados.» O artigo 55 estabelece a igualdade entre todos os Estados Confederados e o artigo 56 estabelece a existência de uma Dieta (parlamento) Federativa na qual «todos os Membros votarão através dos seus Plenipotenciários, individual ou colectivamente». A maior parte dos Estados, como o Reino da Prússia (1701-1918), o Impéio Austríaco (1804-1867) ou o Reino de Hanôver (1814-1866), tinham direito a 1 voto. No caso das entidades políticas mais pequenas, como as cidades livres, estas teriam de votar colectivamente para utilizarem o voto que competia ao conjunto. Este era o caso das cidades livres Lubeca (Lübeck), Francoforte (Frankfurt), Brema (Bremen) e Hamburgo. O artigo 57 estabelecia que a Áustria presidia à Dieta Federativa. Os artigos 58 a 62 diziam respeito ao funcionamento da Dieta.

Europa 1815

O artigo 63 tratava da manutenção da paz na Alemanha: «Os Estados da Confederação empenham-se na defesa, não só de toda a Alemanha, mas de cada um dos Estados da União, caso venham a ser atacados». O mesmo artigo estabelecia também que, no caso de a guerra ter sido declarada pela Confederação, nenhum membro podia, isoladamente, iniciar conversações com o inimigo, fazer a paz ou concluir um armistício sem o consentimento dos outros membros. «Da mesma forma, os Estados da Confederação empenham-se em não fazerem a guerra contra os outros membros, com nenhum pretexto, nem resolver as suas diferenças pela força das armas, mas submetê-las à Dieta que tentará a mediação através de uma Comissão.» [OAKES & MOWAT, 1930, pp. 37-125]

A Confederação Germânica era Formada por trinta e oito Estados. Entre eles o Império Austríaco e sobretudo a Prússia aumentaram os seus territórios e tornaram-se ainda mais influentes. A Prússia recebeu uma parte da Saxónia e a quase totalidade da Renânia. A anexação deste território fez com que a Prússia passasse a ter fronteira com a França, situação relevante em futuras acções militares entre as duas Potências, como foi o caso da Guerra Franco-Prussiana em 1870-1871. A Áustria abandonou o território da Bélgica (os Países Baixos Austríacos), mas beneficiou com a aquisição de territórios na Itália e nos Balcãs.

A Confederação Germânica foi a fórmula encontrada por Klemens Wenzel Nepomuk Lothar, príncipe de Metternich (1773-1859), chanceler da Áustria, para estabelecer um sistema estável e controlável na Europa Central. Os representantes das Potências europeias, reunidos em Viena, ao desenharem a nova carta da Europa, não tiveram em conta um novo factor lançado no jogo político pelas revoluções americana e francesa: o nacionalismo. Durante a Revolução Francesa e o Império Napoleónico, começaram a surgir indícios do nacionalismo alemão. A crescente animosidade contra o regime napoleónico causada pelo Bloqueio Continental foi criando, embora de forma muito indefinida, algum sentimento de unidade no seio dos Estados alemães. Os filósofos Johann Gottfried von Herder (1744-1803), Johann Gottlieb Fichte (1762-1814) e Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) defenderam que a população da Alemanha «era um único volk com uma linguagem pura que seria a base de um Volkstadt firmemente unido». O poeta Ernst Moritz Arndt (1769-1860) defendia a criação de uma Deutsches Vaterland. Friedrich Ludwig Christoph Jahn (1778-1852) fundou as Burschenschaften, corporações de estudantes que, entre outros objectivos, desenvolviam o espírito nacional.

O desenvolvimento económico verificado na Confederação Germânica funcionou como um catalisador para as reformas políticas e para a unificação do território. Em 1818, a Prússia aboliu as taxas alfandegárias internas e, em 1828, assinou um pacto de comércio livre com o Grão-ducado de Hesse-Dermstadt. Também a Baviera, Württemberg e mais tarde o Palatinado aderiram ao comércio livre. Acordos semelhantes foram estabelecidos com os Estados da Alemanha Central. No dia 1 de Janeiro de 1834, entraram em vigor uma série de tratados que criavam uma coligação de Estados alemães com a finalidade de fazer a gestão de taxas, direitos alfandegários e políticas económicas. Esta união aduaneira, o Zollverein, adoptou o código tarifário da Prússia de 1818 e foi essencial à industrialização e desenvolvimento económico da Alemanha: unificou o direito comercial e a moeda, criou um mercado interno com tarifas baixas e deu protecção tarifária contra a competição estrangeira. O resultado foi o desenvolvimento económico, mas também o domínio económico e político da Prússia na região. Em 1844, apenas Hanôver, Oldenburg, Mecklenburg, as cidades hanseáticas e a Monarquia dos Habsburgo não eram membros do Zollverein.

Esta união económica criou as condições para o desenvolveu da economia e a prosperidade dos seus membros. O desenvolvimento económico da Prússia disparou. As estradas prussianas cresceram de 38.000 Km em 1815 para 83.000 Km em 1829. O economista alemão Daniel Friedrich List (1789-1846) considerou a via férrea como um elemento vital para o crescimento económico e para a unificação e estas vias de comunicação cresceram de 550 Km em 1840 para 6.000 Km em 1850. A Monarquia dos Habsburgo não conseguiu unir-se ao Zollverein e também não conseguiu construir um sistema alternativo. Lentamente, o desenvolvimento no espaço do Zollverein ameaçava pôr um fim na Confederação. A força económica da Prússia era já superior à da Áustria, mas era ainda a Monarquia dos Habsburgo que assumia a presidência da Confederação Germânica.

Em 1862, Otto von Bismarck (1815-1898) passou a dirigir o governo da Prússia. A sua carreira política tinha sido iniciada no Parlamento, na ala mais conservadora. Durante as Revoluções de 1848, Bismarck opôs-se sempre aos pedidos de reforma constitucional. Em 1851, Frederico Guilherme IV (1795-1861) nomeou Bismarck como seu representante na Dieta da Confederação Germânica em Frankfurt. Oito anos mais tarde desempenhou o cargo de embaixador e São Petersburgo e, em 1862, fez uma curta passagem por Paris em idênticas funções. A 1 de Abril desse ano foi nomeado Ministro-presidente da Prússia e, quinze dias mais tarde, assumiu também o cargo de Ministro dos Negócios Estrangeiros. Entre as importantes reformas que levou a cabo no início das suas funções estava a reforma do Exército Prussiano.

«A Alemanha não olha para o liberalismo da Prússia, olha para a sua força.» [Citado em TAYLOR, Bismarck, o Homem e o Estadista, 2009, p. 56] Eleito em 1861, o Landtag prussiano era maioritariamente liberal. Esta situação gerou uma confrontação com o rei e a aristocracia prussiana, fortemente conservadora. Foi neste ambiente de confronto que Bismarck foi escolhido para governar a Prússia, contra o parlamento e a sua recusa em aprovar novos impostos. Esta frase também traduzia a forma como Bismarck entendia que a unificação da Alemanha devia ser construída: sob a hegemonia da Prússia. Esta premissa conduzia à questão fundamental que era a de definir os limites da unificação.

Poderia a Áustria fazer parte da Alemanha unificada? Bismarck sabia que a Casa de Habsburgo não aceitaria que a Prússia (Casa de Hohenzollern) se colocasse em pé de igualdade com a Áustria. O Império Austríaco, por outro lado, englobava extensos territórios de língua não germânica e não fazia sentido serem incluídos numa Alemanha unificada. Definitivamente, a Prússia teria de "conquistar" a hegemonia no espaço alemão que não incluía a Áustria. A 30 de Setembro de 1862, no Landtag prussiano, Bismarck declarou: «As grandes questões da actualidade não serão decididas com discursos nem com as resoluções de maioria - este foi o grande erro de 1848 e 1849 -, mas com ferro e sangue.»

[SPERBER, Prof. Jonathan (Editor), «Excerpt from Bismarck's "Blood and Iron" Speech (1862)», in German History in Documents and Images, in http://germanhistorydocs.ghi-dc.org/sub_document.cfm?document_id=250&language=english, visto em 2018 Novembro 14]

Desde que Bismarck assumiu o cargo de ministro-presidente do governo prussiano, a Prússia participou em três guerras: a Guerra dos Ducados do Elba (1 Fevereiro - 30 Outubro 1864), a Guerra Austro-Prussiana (14 Junho - 23 Agosto 1866) e a Guerra Franco-Prussiana (19 de Julho de 1870 - 10 de Maio de 1871). Estes conflitos mostram-nos o caminho percorrido pela Prússia até se tornar o elemento aglutinador das várias entidades políticas que vieram a formar o Império Alemão do qual a Áustria não fazia parte. Por esta razão, aqueles conflitos ficaram conhecidos como "Guerras da Unificação Alemã".

 

 

A Guerra dos Ducados do Elba (1964)

A expressão "Ducados do Elba" refere-se aos Ducados do Schleswig e do Holstein. Embora com muita frequência apenas sejam referidos estes dois ducados, também o Ducado de Saxe-Lauenburg foi incluído nesta questão. Os Ducados referidos estavam unidos à Dinamarca desde 1058, 1460 e 1815, respectivamente. Esta união significava, nos anos 50 e 60 do século XIX, que partilhavam um soberano comum, mas não faziam parte do Reino da Dinamarca e isto significava que o Rei da Dinamarca era também o Duque de Schleswig, de Holstein e de Saxe-Lauenburg.

O Ducado de Holstein tinha uma posição feudatária relativamente ao Reino da Saxónia e assim se compreende que, ao contrário do que sucedia com o Schleswig e independentemente de quem era o seu soberano, fizesse parte da Confederação Germânica tal como antes tinha feito parte do Sacro Império Romano Germânico. O Ducado de Saxe-Lauenburg também fazia parte da Confedereção Germânica por determinação do Congresso de Viena, já que este Ducado, em 1813 tinha passado a ser um domínio do Eleitorado de Hanôver, que passou a ser Reino em 1814. A união deste ducado com a Dinamarca resultou de uma sucessão de trocas territoriais que englobaram Hanôver, a Prússia, a Suécia e a Dinamarca.

O Schleswig tinha uma população de maioria dinamarquesa embora os alemães predominassem na região sul. O Holstein era um ducado de maioria alemã, tal como o Lauenberg. Pelas disposições do Tratado de Ribe (1460), o Schleswig e o Holstein não podiam ser separados, daí a referência frequente ao Schleswig-Holstein. No entanto, estas disposições não quebraram os laços feudais já referidos.

Frederik VII da Dinamarca reinou entre 1848 e 1863. Sucedeu-lhe Christian IX que reinou entre 1863 e 1906. A 27 de Março de 1848, Frederik VII anunciou a promulgação de uma constituição liberal que tornava o Schleswig parte integrante da Dinamarca, embora mantendo alguma autonomia. A população alemã manifestou-se contra esta integração sendo a favor da independência dos Ducados e de uma associação do "Schleswig-Holstein" à Confederação Germânica. Richard e Trevor Dupuy defendem que a revolta das populações alemãs dos Ducados foi inspirada pela Prússia. O exército prussiano interveio em apoio da insurreição provocando a Primeira Guerra do Schleswig (1848-1851). Durante esta guerra verificou-se um número elevado de batalhas e a Dinamarca saiu vitoriosa de muitas delas. A Suécia enviou tropas em apoio da Dinamarca que também recebeu apoio diplomático da Rússia e da Áustria. O Reino Unido ameaçou desencadear acções navais contra a Prússia. Durante o conflito foram tentadas várias tréguas que fracassaram. Por fim, de acordo com o Protocolo de Londres (8 de Maio de 1852) o Schleswig e o Holstein mantiveram-se ligados à Dinamarca apenas por união pessoal. Este protocolo afirmava a integridade da federação dinamarquesa como um princípio a ser aceite por todas as Potências europeias e que os Ducados de Schleswig (um feudo dinamarquês) e de Holstein (um feudo alemão) ficariam ligados ao Reino da Dinamarca por uma união pessoal. Neste mesmo Protocolo, a Dinamarca comprometia-se a não criar com o Schleswig laços mais estreitos do que os que mantinha com o Holstein.

Schleswig e Holstein pb

A situação encontrada com o Protocolo de Londres não foi definitivamente aceite pela Dinamarca. Em 1863, Cristiano IX aprovou a "Constituição de Novembro" segundo a qual o Schleswig seria integrado no Reino da Dinamarca. Isto significava separar o Schleswig do Holstein, o que contrariava o Tratado de Ribe (1460), e transformar um ducado independente em território dinamarquês o que contrariava o Protocolo de Londres. Esta foi a oportunidade que os liberais alemães aproveitaram para trazerem ambos os Ducados para a esfera alemã cortando os vínculos à Dinamarca. Esperaram o apoio popular e apoiaram a candidatura de Friedrich August von Augustenburg à herança dos Ducados já que as leis de hereditariedade daqueles e do Reino da Dinamarca eram diferentes. Tinham a intenção de criar entre as populações o entusiasmo necessário que levasse os estados alemães a apoiarem esta iniciativa. Mas esta não era a política que interessava a Bismarck porque conduziria à criação de mais dois pequenos estados que constituiriam mais um obstáculo às pretensões de hegemonia da Prússia.

Bismarck aproveitou o facto de Cristiano IX não respeitar os termos do Protocolo de Londres de 1852 e agiu por forma a retirar os Ducados ao controlo da Coroa da Dinamarca. No entanto, existia um problema: se a Prússia assumisse a liderança das acções contra a Dinamarca, arriscava-se a que as Grandes Potências europeias agissem como o fizeram durante o conflito de 1848-1852. Por isso, embora não desejando a aplicação do protocolo de Londres de 1852 porque o seu objectivo era a incorporação daqueles territórios na Prússia, Bismarck conseguiu um acordo com a Áustria no sentido de as duas Potências intervirem contra a Dinamarca. Nem as outras potências estariam contra uma guerra que se destinava a fazer cumprir um Protocolo que elas próprias tinham imposto. Além do mais, uma dessas Grandes Potências, a Áustria, seria líder, em termos políticos, da acção contra a Dinamarca. No dia 16 de Janeiro de 1864, a Prússia e a Áustria assinaram uma aliança, à margem da Confederação Germânica, na qual se estipulava que a acção combinada das duas Potências era executada apenas para impedir a anexação do Schleswig pela Dinamarca e que o destino dos Ducados deveria ser decidido em conjunto.

Apesar da aliança com a Áustria, Bismarck já tinha esclarecido que só a anexação dos Ducados justificaria a intervenção da Prússia. As tropas prussianas sob comando do Feldmarschall Friedrich von Wrangel (1784-1877), apoiadas por tropas austríacas sob o comando do General Ludwig von Gablenz (1814-1874), invadiram os Ducados a 1 de Fevereiro de 1864 e provocaram importantes devastações, mas sem obterem resultados decisivos. Wrangel tinha já mais de oitenta anos e foram levantadas dúvidas sobre a sua capacidade para exercer o comando das tropas pelo que foi substituído pelo Príncipe Friedrich Karl da Prússia. O chefe do estado-maior da força prussiana, o General Vogel von Falkenstein, considerado incompetente para o cargo, foi substituído pelo General Helmuth Karl Bernhard, Conde de Moltke a partir de Outubro de 1870.

Helmuth von Moltke (1800-1891), nascido numa família aristocrata de Mecklenburg (norte da Alemanha), foi educado no "Real Corpo de Cadetes" em Copenhagen, Dinamarca. No final do curso ingressou num regimento de infantaria dinamarquês. Em 1821 visitou Berlim e mais tarde ingressou como tenente no Regimento (alemão) Leib-Grenadier. Frequentou a Kriegsakademie (Academia Militar da Prússia, em Berlim) entre 1823 e 1826. Em 1833 foi colocado no Estado-Maior General da Prússia. Entre 1835 e 1839 prestou serviço na Turquia. Entre as várias obras que escreveu, encontra-se um ensaio sobre a utilização dos caminhos de ferro (1834). Em 1846 regressou ao Estado-Maior General, foi promovido a coronel em 1851 e foi nomeado ajudante de campo do Príncipe Friedrich Wilhelm, futuro Rei da Prússia. Nestas funções viajou até à Grã-Bretanha, França e Rússia. Em 1857, já com o posto de general, foi nomeado Chefe do Estado-Maior General e desenvolveu uma boa relação com Bismarck e com o Ministro da Guerra Albrecht. Moltke estava ciente das vantagens do caminho-de-ferro e dos telégrafos nas operações militares. Os exércitos eram grandes e exigiam uma dispersão por áreas muito mais vastas e, por isso, o sistema de comando tinha de se tornar mais flexível. Foi nesta lógica que, em 1858-1859, reorganizou o Estado-Maior em quatro departamentos, três dedicados a diferentes áreas geográficas (Oriente, Alemanha e Ocidente) e outro dedicado ao caminho-de-ferro.

A Guerra dos Ducados do Elba ou Segunda Guerra do Schleswig foi curta. Não houve grandes batalhas e, em Agosto de 1864, a Dinamarca tinha sido derrotada. Inicialmente, perante a incapacidade de defender a fronteira dos Ducados, as forças dinamarquesas retiraram para a Dinamarca. No início da guerra, os Dinamarqueses dispunham de 38.000 homens enquanto as forças invasoras, da Prússia e da Áustria, somavam cerca de 61.000. Entre 15 de Março e 17 de Abril de 1864, as forças da Prússia cercaram as fortificações de Dybbøl, no sudeste da Jutlândia, Dinamarca. A captura das fortificações custou aos Dinamarqueses 700 mortos, 554 feridos e 3.834 prisioneiros. Os Prussianos perderam 1.201 homens, entre mortos, feridos e capturados. No dia 25 de Abril foi estabelecida uma trégua que terminou a 26 de Junho com a renovação das hostilidades, mas a 1 de Agosto a Dinamarca pediu a paz e renunciou à disputa sobre os Ducados. As Grandes Potências europeias só se manifestaram quando os exércitos invasores chegaram à fronteira do Reino da Dinamarca. No dia 30 de Outubro de 1864, em Viena, foi assinado um tratado de paz.

O Tratado de Viena, assinado pela Prússia, Áustria e Dinamarca, foi ratificado a 12 de Novembro pela Dinamarca e a 14 pelas outras duas Potências, tendo a troca de ratificações sido feita a 16 de Novembro em Viena. Trata-se de um tratado com vinte e quatro artigos e um protocolo anexo respeitante à evacuação da Jutlândia pelas tropas prussianas e austríacas. Pelo artigo III, «Sua Majestade o Rei da Dinamarca renuncia a todos os seus direitos sobre os Ducados de Schleswig, Holstein e Lauenburg, a favor de suas Majestades o Rei da Prússia e o Imperador da Áustria, comprometendo-se ele próprio a reconhecer as disposições as mencionadas Majestades tomarão relativamente a esses Ducados.» Os outros artigos, para além das disposições comuns neste tipo de documentos, contêm as disposições relativas às questões práticas que a aplicação do disposto no artigo III exigia.

[Texto do Tratado (em Inglês) em OAKES & MOWAT, 1930, pp. 198-209; Texto do Tratado, em Francês e Alemão, em https://web.archive.org/web/20110719132918/http://www.ambwien.um.dk/NR/rdonlyres/AB922586-4291-44C2-BFFA-0FF1424170A2/0/Fredstraktat1864.pdf, visto em 2018 Novembro 14]

Os Ducados ficaram assim na dependência da Áustria e da Prússia e não foram entregues a Friedrich August von Augustenburg. Para Bismarck, que desejava afastar a hegemonia austríaca e atrair os restantes Estados alemães para um processo de unificação, sob hegemonia da Prússia, a questão dos Ducados ofereceu a oportunidade para atingir os seus objectivos. A ocupação conjunta dos Ducados tornou-se uma fonte de permanente desacordo entre as duas Potências. Em 1865, Bismarck ameaçou anexar os Ducados e reorganizar a Confederação Germânica. A 14 de Agosto de 1865, na cidade austríaca de Gastein (Bad Gastein), a Áustria e a Prússia assinaram uma convenção (Convenção de Gastein) segundo a qual os Ducados deixavam de estar sujeitos a uma administração conjunta da Áustria e da Prússia e seriam divididos por estas duas potências que os administrariam. Assim, a Prússia ficava com a administração de Schleswig e a Áustria com a de Holstein. A Prússia comprava à Áustria a administração do Lauenburg. Ao mesmo tempo, a Prússia obtinha o direito de construção de infra-estruturas de apoio naval, de um canal e instalação de um sistema de telégrafos.

Há muito que o Schleswig e o Holstein eram um dos principais polos do sentimento nacionalista alemão, mas o principal motivo para que Bismarck tivesse decidido entrar em guerra com a Dinamarca, foi a expansão da Prússia. O fenómeno do nacionalismo não pode, contudo, deixar de ser tido em conta em todo o processo de unificação da Alemanha. Como Bismarck já tinha afirmado, embora depois tentasse negar, a utilização da força seria o processo pelo qual atingiria os seus objectivos. A unificação viria a ser feita pelos governos, isto é, pela força militar e não por movimentos populares animados pelas ideias nacionalistas. A guerra com a Dinamarca mostrara a evolução positiva da capacidade militar da Prússia. A próxima consequência desta linha de acção seria a guerra entre a Áustria e a Prússia.

 

 

Guerra Austro-Prussiana (1866)

Estabelecida a paz com a Dinamarca, a Áustria e a Prússia deviam cooperar na administração dos Ducados. Para coordenarem a forma como essa cooperação iria ser aplicada, Guilherme I da Prússia e Otto von Bismarck reuniram-se no palácio de Schönbrunn, Viena, a 23 de Agosto, com o Imperador da Áustria, Francisco José, e o seu chanceler e ministro dos Negócios Estrangeiros Johann Bernhard von Rechberg und Rothenlöwen (normalmente referido apenas como Rechberg), mas não conseguiram chegar a um acordo sobre este assunto. Também foi tratada a possibilidade de adesão da Áustria ao Zollverein em 1865, ano em que seriam renovados os tratados desta união aduaneira, mas o Governo prussiano recusou a adesão da Áustria para aderir à união aduaneira. A Áustria iria continuar fora de uma união que se tornava cada vez mais política.

Esta atitude do Governo prussiano aprofundou a clivagem já existente entre as duas principais potências alemãs. Enquanto a Prússia se voltava fundamentalmente para o Mar do Norte, a Áustria voltava-se para os Balcãs e utilizava o Danúbio e o Mar Negro e, por conseguinte, os Estreitos do Bósforo e de Dardanelos como principal via de importação/exportação dos seus produtos. A Áustria e a Alemanha estavam cada vez mais de costas voltadas, tanto económica como politicamente. A aliança entre a Áustria e a Prússia estava arruinada. A questão que agora se colocava era a de haver um entendimento entre as duas potências tendo em conta as ambições da Prússia e o desejo da Áustria de manter o statu quo no âmbito da Confederação, mas o entendimento implicava aceitar a Prússia em pé de igualdade com a Áustria. «A Áustria teria de abrir mão da dignidade presidencial (da Confederação Germânica), como abriu da dignidade imperial há meio século e concluir uma aliança com o Reich (Império) Alemão prussiano.» [Afirmação de Ludwig Maximilian Balthasar von Biegeleben, um dos conselheiros de Alexander Mensdorff-Pouilly, sucessor de Rechberg no Ministério dos Negócios Estrangeiros da Áustria; citado em TAYLOR, 2009, p. 78] No entanto, a Áustria não estava disposta a perder o seu lugar preponderante entre os Estados alemães.

Na Dieta de Frankfurt, o representante austríaco votou a favor de uma resolução em apoio da candidatura de Friedrich August von Augustenburg. Esta era uma violação da aliança austro-prussiana e dos próprios termos do Tratado de Viena (1864). A situação começava a tomar contornos que poderiam conduzir a um conflito. A Áustria queria evitar a guerra tanto mais que tinha outras questões territoriais na agenda: a Hungria e o norte da Itália. Bismarck fez bluff ameaçando utilizar a força. Seria realmente bluff? Alan John Percival Taylor, na sua biografia sobre Bismarck, defende que o chanceler considerava a guerra «uma forma desajeitada de resolver as disputas internacionais.» [TAYLOR, 2009, p. 81] Foi neste sentido que foi assinada a Convenção de Gastein (14 de Agosto de 1865) onde se definiram os territórios a serem administrados por cada uma das potências: a Áustria ficava a administrar o Holstein enquanto o Schleswig e o Lauenburgo ficavam a cargo da Prússia.

Apesar deste entendimento entre as duas Potências, a Áustria não abria mão da presidência da Confederação Germânica e, dessa forma, recusava aceitar a Prússia como uma Potência com igual estatuto. A Prússia, por seu lado, consciente da sua superioridade económica e militar, desejava libertar-se da hegemonia política da Áustria e realizar a unificação da Alemanha sob a sua hegemonia. Bismarck pretendia criar uma situação que levasse a Áustria a aceitar as suas exigências sem ser necessário recorrer a um conflito armado. Para isso, a Áustria teria de ficar ciente que, em caso de conflito com a Prússia, teria de enfrentar outros inimigos. Da França, isto é, de Napoleão III, Bismarck não obteve mais que uma garantia não escrita de neutralidade, mas já a Itália, que ainda não tinha resolvido todo o seu processo de unificação - esperava uma oportunidade para expulsar os Austríacos de Venécia e os Franceses de Roma -, aceitou uma aliança com a Prússia (8 Abril 1866). Nos termos desta aliança, em caso de guerra entre a Áustria e a Prússia, a Itália entraria também em guerra contra a Áustria. Por outras palavras, no caso de um conflito entre a Áustria e a Prússia, a Áustria não podia contar com a neutralidade da Itália mesmo que cedesse a Venécia e ver-se-ia envolvida num conflito em duas frentes. Por outro lado, só apaziguaria a Prússia cedendo a posição hegemónica na Alemanha.

A 1 de Junho de 1866, os Austríacos apresentaram na Dieta da Confederação as questões relativas aos Ducados. Pretendiam que os representantes se pronunciassem quanto ao futuro daqueles territórios. Ora, a aliança entre a Áustria e a Prússia estipulava que as questões dos Ducados seriam tratadas entre os dois signatários, já que esta aliança também tinha sido feita à margem da Confederação Germânica. Levar a questão à Dieta de Frankfurt equivalia a repudiar os termos da aliança o que era compreendido como um acto de hostilidade dirigida contra a Prússia. Bismarck ordenou a invasão do Holstein, o que teve início a 7 de Junho, mas os Austríacos conseguiram retirar as suas tropas antes que se verificasse qualquer confronto. No dia 14 de Junho, na sequência destes acontecimentos, os Austríacos apelaram à mobilização da Confederação Germânica contra a Prússia.

Prússia 1815 1866

A resposta de Bismarck foi rápida: tirou a Prússia da Confederação que declarou dissolvida e enviou um ultimato aos Estados que tinham votado ao lado da Áustria a favor da mobilização. Não houve uma declaração de guerra formal. Na luta que se seguiu «a Áustria combatia pelo primado, a Prússia pela igualdade.» [TAYLOR, 2009, p. 85] A ofensiva prussiana contra a Áustria teve início no dia 16 de Junho e nela participaram o Segundo Exército prussiano, sob comando do Príncipe herdeiro Friedrich Wilhelm (o futuro Friedrich III da Alemanha), a partir de Landshut, cerca de 60 Km a nordeste de Munique), o Primeiro Exército prussiano, sob o comando do Príncipe Friedrich Karl, a partir da região de Görlitz (cerca de 80 Km a leste de Dresden) e o Exército do Elba, sob comando do General Karl Herwarth von Bittenfeld, a partir da região de Torgau (cerca de 70 Km a noroeste de Dresden). O Chefe do Estado-Maior General, Helmuth von Moltke, utilizou na sua máxima capacidade o caminho de ferro para fazer deslocar as suas tropas através da Silésia e da Saxónia. Os Austríacos ainda não se encontravam preparados para o início das hostilidades.

No dia 3 de Julho de 1866 foi travada a Batalha de Königgrätz (também conhecida como Batalha de Sadowa). Aos exércitos prussianos, com cerca de 220.000 homens, opuseram-se as forças da Áustria e da Saxónia, ao todo cerca de 115.000 homens, sob o comando do General Ludwig August Ritter von Benedek e do Príncipe Alberto, respectivamente. Os Prussianos alcançaram uma vitória importante. Enquanto os exércitos prussianos perderam cerca de 10.000 homens, os Austríacos e seus aliados perderam 25.000 homens (mortos, feridos e desaparecidos) e tiveram cerca de 20.000 prisioneiros.

Embora a Áustria tenha sido decisivamente derrotada, Bismarck não pretendeu enfraquecer mais o seu adversário. Pelo contrário, o chefe do Governo alemão queria chegar rapidamente a um acordo com a Áustria, antes que a França decidisse intervir militarmente no conflito ou que os termos da paz fossem ditados pelas principais Potências europeias (França, Rússia, Reino Unido). Do lado da Áustria, os problemas internos foram também motivo para chegarem rapidamente a um acordo que estabelecesse a paz. A 23 de Agosto de 1866, foi assinado o Tratado de Praga. Nos termos deste tratado, a Prússia anexou Schleswig, Holstein, Hesse-Cassel, Hanôver, Nassau e Frankfurt. A Prússia era agora a potência dominante na Alemanha do Norte e foi este o espaço em que se formou uma nova confederação que deixava de fora os Estados da Alemanha do Sul e, definitivamente, a Áustria. Era esta a Confederação da Alemanha do Norte, uma confederação prussiana.

 

 

Guerra Franco-Prussiana (1870-1871)

O triunfo da Prússia reflectiu-se de forma clara na formação da Confederação da Alemanha do Norte (Nordeutscher Bund) e nos termos da sua Constituição (Konstituierender Reichstag), promulgada a 14 de Junho de 1867. Nos termos desta Constituição, a Prússia foi investida na Presidência da Confederação com a responsabilidade de a representar internacionalmente, declarar guerra, concluir a paz, estabelecer alianças e outros tratados com Estados estrangeiros e de acreditar e receber embaixadores em nome da Confederação. Entre muitos outros aspectos, a Constituição estabelecia que todas as forças terrestres da Confederação formavam um único exército sob comando do Rei da Prússia que, entre outros atributos, podia mandar erguer fortalezas em qualquer parte do território da Confederação. A marinha, de igual forma, ficou sob comando da Prússia.

A Confederação era constituída pelos reinos da Prússia e Saxónia; pelos grão-ducados de Hesse, Mecklenbourg-Schwerin, Mecklenbourg-Strelitz, Oldenburg e Saxe-Weimar-Eisenach; pelos ducados de Anhalt, Brunswick, Saxe-Altenbourg, Saxe-Coburg-Gotha e Saxe-Meiningen-Hildburghausen; pelos principados de Lippe-Detmold, Reuss-Greiz, Reuss-Gera, Schaumbourg-Lippe, Schwarzbourg-Rudolstadt, Schwarzbourg-Sondernshausen e Waldeck-Pyrmont; pelas cidades livres de Bremen, Hamburgo e Lübeck. O ducado de Saxe-Lauenbourg pertencia ao rei da Prússia, em união pessoal desde 1865; geralmente não era mencionado como um Estado membro, mas era realmente um Estado independente separado do Reino da Prússia.

Estavam fora da Confederação os Estados alemães do Sul: os Reinos da Baviera e de Wurtemberg, o Grão-ducado de Bade e o Sul do Hesse-Darmstadt. A decisão de manter estes Estados fora da Confederação pertenceu a Bismarck e ficou a dever-se, por um lado, ao facto de ali existir um forte sentimento democrático e anti prussiano e, por outro lado, à intenção de não entrar em choque com Napoleão III, Imperador dos Franceses. No entanto, o artigo 79º da Constituição da Confederação permitia a adesão dos Estados do Sul à Confederação [http://www.documentarchiv.de/nzjh/ndbd/verfndbd.html  (Em alemão), visto em 2019-01-05.]:

«[1] As relações da federação com os estados do sul da Alemanha serão reguladas imediatamente após a determinação da condição da federação do Norte da Alemanha, por meio de contractos especiais a serem submetidos ao Reichstag para aprovação;

[2] A entrada dos estados alemães do Sul ou de um deles na Federação ocorre por sugestão da presidência federal na forma da legislação federal.»

No entanto, em segredo, esses Estados assinaram com a Prússia tratados de aliança militar, com carácter defensivo e ofensivo.

Charles Louis Napoleon (1808-1873), Napoleão III, foi eleito presidente da República Francesa a 10 de Dezembro de 1848. Com o golpe de estado de 2 de Dezembro de 1852, pôs fim à República e estabeleceu o Segundo Império Francês. Em 1858 comprometeu-se com a ajuda ao Piemonte na causa da independência de Itália. Mantendo a França o estatuto de principal potência militar do Continente europeu, Napoleão III não deixou de se preocupar com a modernização do seu exército e deu início aos trabalhos nesse sentido.

Isabel II de Espanha (1830-1904) ocupou o trono até 30 de Setembro de 1868. Com a revolução chamada "La Gloriosa", Isabel II foi obrigada a fugir para França. Passou a viver em Paris, de onde renunciou ao trono espanhol, a 25 de Junho de 1870. Espanha precisava de um novo soberano dado que as Cortes tinham recusado a implementação de uma república. Enquanto Espanha era governada por um regente, foi redigida e promulgada uma constituição de carácter liberal enquanto se procurava nas casas reinantes da Europa o futuro soberano espanhol. Entre as várias personagens elegíveis para o trono espanhol encontrava-se o Príncipe Leopoldo de Hohenzollern, da família do Rei da Prússia. Leopoldo era casado com D. Antónia, filha de D. Maria II e D. Fernando II de Portugal.

Leopoldo de Hohenzollern era católico, o que agradava aos Espanhóis, mas não gostava de uma excessiva influência do clero nos assuntos políticos, o que agradava a Bismarck. Mas esta candidatura era também uma possibilidade de resposta da Prússia contra um projecto de aliança entre a França e a Áustria. No que respeita à Europa, o trono de Espanha nas mãos de um Hohenzollern seria um dissuasor das ambições francesas sobre a Alemanha do Sul porque a casa de Hohenzollern governaria a nordeste e a sudoeste de França. Este facto deixou Paris alarmada. Em caso de conflito, a França teria de enfrentar as forças dos Hohenzollern em duas frentes.

A situação assumia contornos tanto mais graves quanto se fazia sentir o isolamento da França. Napoleão III quis ser recompensado pela neutralidade da França na Guerra Austro-Prussiana (1866) e pretendeu adquirir o Luxemburgo, situação que gerou a chamada "Crise do Luxemburgo" que esteve próximo de dar início a uma guerra entre a França e a Prússia. Também pretendeu adquirir o Palatinado e a Bélgica, negociando com Bismarck estes últimos territórios. No entanto, a 25 de Julho de 1870, Bismarck tornou públicas as propostas francesas sobre a Bélgica, independente desde 1830 e com a independência e a neutralidade reconhecidas no Tratado de Londres (19 Abril 1839). As Potências signatárias do tratado mostraram o seu desagrado, especialmente o Reino Unido, situação que provocou o seu afastamento da França, favorecendo a estratégia de Bismarck. Na Áustria, que não foi humilhada por Bismarck no final da Guerra Austro-Prussiana e que durante esse conflito com a Prússia também enfrentou a ameaça da Itália, tendo esta o apoio da França, o sentimento dominante era antifrancês. A Rússia já tinha deixado claro que as suas simpatias estavam do lado da Prússia e a Itália, devido à "Questão de Roma", mantinha muitas reservas quanto à França tanto mais que Napoleão III manteve ali uma força militar para protecção do Papa.

Bismarck apoiava a candidatura do Príncipe Leopoldo de Hohenzollern, mas o Rei Guilherme II da Prússia não pensava dessa forma porque não desejava ver a sua família envolvida na política instável de Espanha. Por seu lado, Leopoldo também não se mostrava entusiasmado com a perspectiva de vir a ser rei de Espanha. Neste quadro, e atendendo também à oposição do Governo francês, a candidatura de Leopoldo foi retirada a 12 de Julho de 1870. No entanto, a França apresentou mais exigências. No dia 13, o embaixador francês, Conde Vincent Benedetti, conseguiu interpelar o Rei da Prússia durante um passeio matinal no Kurpark, na estância termal de Ems. Benedetti, executando ordens do ministro francês dos Negócios Estrangeiros, apresentou a Guilherme II a exigência de um pedido de desculpa pela candidatura e de uma garantia de que não voltaria a ser permitida nova candidatura de um Príncipe Hohenzollern ao trono de Espanha. Guilherme II reiterou o anúncio da retirada da candidatura, mas rejeitou as exigências do embaixador francês. Contudo, não deixou de tratar o embaixador em tom conciliatório.

Bismarck encontrava-se em Berlim quando recebeu o relatório destes acontecimentos, um telegrama enviado de Ems e escrito pelo secretário do rei, Heinrich Abeken. Bismarck estava a jantar com Albrecht von Roon, Ministro da Guerra, e com Helmuth von Moltke, Chefe do Estado-Maior General (Große Generalstab) quando recebeu o telegrama de Ems. O telegrama, a seguir transcrito, encontra-se na obra Pensées et Souvenirs par le prince de Bismarck:

«Le comte Benedetti m’a arrêté au passage à la promenade pour me demander finalement, d’une manière très indiscrète, de l’autoriser à télégraphier aussitôt à l’empereur que je m’engageais pour l’avenir à ne jamais plus donner mon consentement, si les Hohenzollern revenaient sur leur candidature. Je finis par refuser assez sévèrement, attendu qu’on ne devait ni ne pouvait prendre de pareils engagements à tout jamais. Je lui dis naturellement que je n’avais encore rien reçu et puisqu’il était, par la voie de Paris et de Madrid, informé plus tôt que moi, il voyait bien que mon gouvernement était de nouveau hors de cause.»

[https://www.persee.fr/doc/rhmc_0996-2743_1899_num_1_2_4127_t1_0194_0000_1; https://fr.wikipedia.org/wiki/Dépêche_d%27Ems, visto em 2019 Janeiro 5]

Depois de ler o telegrama aos seus convidados, Bismarck perguntou a Moltke se o exército estaria preparado para entrar numa guerra e se acreditava que poderia vencer a França. Moltke assegurou a vitória da Prússia. Bismarck redigiu então uma versão resumida do telegrama  no qual parecia que o rei tinha mostrado desprezo pelo embaixador:

«La nouvelle du renoncement du prince héritier de Hohenzollern a été officiellement communiquée au gouvernement impérial français par le gouvernement royal espagnol. Depuis, l’ambassadeur français a encore adressé à Ems, à Sa Majesté le Roi, la demande de l’autoriser à télégraphier à Paris, que Sa Majesté le Roi, à tout jamais, s’engageait à ne plus donner son consentement si les Hohenzollern devaient revenir sur leur candidature. Sa Majesté le Roi là-dessus a refusé de recevoir encore l’ambassadeur français et lui a fait dire par l’aide de camp de service que Sa Majesté n’avait plus rien à communiquer à l’ambassadeur.»

[https://fr.wikipedia.org/wiki/Dépêche_d%27Ems, visto em 2019 Janeiro 5]

O telegrama de Bismarck foi publicado na imprensa. Num ambiente em que as relações entre a França e a Prússia estavam já muito tensas, o "Telegrama de Ems" foi a gota de água que conduziu à guerra. Ofendidos pelos termos expressos no telegrama e sem conseguirem as garantias de não renovação de uma candidatura ao trono de Espanha, os Franceses declararam guerra à Prússia, a 19 de Julho de 1870. Na realidade, declararam guerra à Confederação da Alemanha do Norte porque os Estados englobados nesta Confederação estavam obrigados a participar na guerra ao lado da Prússia. Bismarck já tinha tentado atrair os Estados alemães do Sul com a possibilidade de uma extensão do Zollverein, embora sem sucesso, mas as provas apresentadas sobre a ameaça francesa para o Luxemburgo terão, pelo menos, alertado esses Estados para a possibilidade de terem de enfrentar uma ameaça francesa.

A Guerra Franco-Prussiana colocou em evidência a superioridade alemã em armamento, organização e liderança. Estas qualidades permitiram aos Estados alemães, sob a direcção da Prússia, derrotar rapidamente os Franceses. Os oficiais do Exército da Prússia constituíam um grupo muito fechado em que a maior parte eram junkers prussianos. A ideia de profissionalismo ainda não tinha conseguido destronar o direito de comandar da aristocracia. A qualidade das tropas era elevada e o analfabetismo quase não existia. «Uma das razões que contribuíram para que os prussianos batessem os franceses em 1870-1 foi o grau muito superior de alfabetização dos seus soldados.» [HOBSBAWM, 1988, p. 65] Na França, o analfabetismo entre os recrutas ainda era de 18%. Em termos quantitativos, a população das duas potências não era muito diferente. A França, em 1866, tinha cerca de 38.000.000 habitantes e a Alemanha, dois anos antes (1864), tinha uma população inferior, mas muito próxima da população francesa [MITCHELL, 1976, p. 20]. No entanto, a população alemã estava a crescer a um ritmo mais rápido que a francesa. Entre 1850 e 1875, a Alemanha cresceu 6.500.000 de habitantes e a França apenas 1.100.000, embora devamos ter em conta as alterações territoriais resultantes da guerra [PRADA, 1994, volume 2, p. 33].

O exército alemão de 1870 era formado pelas forças da Confederação da Alemanha do Norte a que se juntaram as forças fornecidas pelos estados do sul da Alemanha, nomeadamente Baviera, Baden e Wurtemberg. O exército francês tinha a quase totalidade das suas forças operacionais concentradas no Exército do Reno que era formado por oito corpos de exército. Ambos os exércitos tinham uma estrutura idêntica, isto é, a sua base era o Corpo de Exército, uma força formada por tropas de infantaria, cavalaria, artilharia e respectivos apoios, com um efectivo de cerca de 30.000 homens. A organização das reservas é que era muito diferente entre os dois exércitos estando a França muito atrasada e as reformas planeadas ainda se encontravam no início da sua implementação quando a guerra começou. De qualquer forma, ao longo do conflito, que foi curto, a França mobilizou 2.000.740 homens e a Alemanha mobilizou 1.494.412, e foram colocados em campanha 949.337 militares franceses e 710.000 alemães.

[Efectivos apresentados em https://en.wikipedia.org/wiki/Franco-Prussian_War, com referência a CLODFELTER, Micheal, Warfare and Armed Conflicts: A Statistical Encyclopedia of Casualty and Other Figures, 1492-2015, © 2008, Jefferson, North Carolina: McFarland, 2017, ISBN 978-0-7864-7470-7, p. 184].

Nas duas décadas antes da guerra verificou-se uma extraordinária transformação e expansão económica. Entre 1851 e 1873, em França, o crescimento médio anual atingiu os 5%, sendo a indústria têxtil o ramo mais importante. Já a indústria siderúrgica teve dificuldades em adquirir matéria-prima. A França tinha de importar entre 25 a 30% do carvão que consumia, o que em 1870 era mais de vinte milhões de toneladas. O ferro também era importado, principalmente de Espanha e da Argélia. A produção francesa de ferro e aço em 1869 era de aproximadamente um milhão de toneladas [PRADA, 1994, volume 2, pp. 66-69].

Na Alemanha, a industrialização tinha progredido apenas na Renânia e na Vestefália, onde as comunicações eram mais fáceis, onde existia já uma tradição industrial e onde existiam os recursos naturais necessários. A formação do Zollverein e a construção das linhas férreas facilitaram o desenvolvimento da indústria. Entre 1840 e 1850 tinham sido constituídas grandes sociedades mineiras com capital francês, britânico e belga. Em 1850 a França produziu 406.000 toneladas métricas (t) de ferro gusa e a Alemanha apenas produziu 210.000 t, mas em 1870, quando a França tinha aumentado a sua produção para 1.178.000 t, a Alemanha já se encontrava à frente com 1.261.000 t. Na produção de aço bruto, em 1870, a Alemanha, com 126 t, estava também à frente da França, com 84 t.

[MITCHELL, 1976, conjunto dos dados estatísticos referidos no capítulo «Industry». Sobre a industrialização nesta época deve-se ler o capítulo II, «O grande boom» em HOBSBAWM, 1988, pp. 47-70 ou os dados referentes à França e à Alemanha em PRADA, 1994, volume 2, pp. 65-78].

Mais do que na indústria ou na agricultura, os governos envolveram-se no desenvolvimento dos transportes e meios de comunicação. Neste caso, o caminho de ferro tinha grande importância económica e militar, razão pela qual os governos exerciam uma supervisão muito próxima sobre esta área. Em 1869, a França tinha construído 16.465 Km de linha férrea e a Alemanha 17.215 km. No entanto, neste mesmo ano, os Franceses transportavam ligeiramente mais mercadorias no caminho de ferro (6.271.000.000 ton/Km) do que os Alemães (5.330.000.000 ton/Km) [MITCHEL, 1976, Tabelas G1 «Lenght on Railway Line Open», p. 581, e G2 «Freight Traffic on Railways», p. 589; em 1869, Portugal tinha construído 694 Km de linha férrea (p. 582) e só conhecemos estatísticas de transporte de mercadorias a partir de 1880 (663.000 toneladas métricas, contra 80.770.000 da França – pp. 592-593)]. No tráfego de passageiros, também em 1869, (4.108.000.000 passageiros/Km, na França, e 3.530.000.000 na Alemanha) existia alguma vantagem dos Franceses. O Produto Nacional Bruto (PNB, em inglês GNP) per capita era em 1870, com as fronteiras anteriores à guerra, de 437 US$ de 1960 para a França e 428 US$ para a Alemanha [PUGH, 2000, p. 26].

Relativamente aos dados acima apresentados, podemos concluir que não existia nenhuma vantagem significativa por cada uma das partes. No entanto, se analisarmos a evolução destes valores ao longo dos anos e para além de 1870, ano em que teve início a Guerra Franco-Prussiana, verificamos que a Alemanha se desenvolveu a um ritmo muito superior ao da França, na população, na indústria, nas comunicações, nos caminhos de ferro e outras actividades. Para além da população ou da produção do carvão e do ferro e aço, é necessário saber o que foi realizado com os recursos disponíveis.

Em meados do século XIX, para além da matéria prima disponível, importada ou não, a máquina a vapor é um dos factores que caracterizaram a época. Se a industrialização progredia, isso significava que aumentava a produção de energia a vapor. Em 1870, a energia industrial produzida por máquinas fixas na Alemanha tinha igualado a da Grã-Bretanha - 900.000 cavalos-vapor (CV) - e isto significava que, em vinte anos, tinha evoluído de 40.000 CV para 900.000 CV enquanto a França, em igual período, apenas evoluiu de 67.000 CV para 341.000 CV. A Alemanha, apesar das estatísticas apresentadas, chegou às vésperas da Guerra Franco-Prussiana com uma indústria mais diversificada e uma dinâmica industrial francamente superior à França. Numa época em que a força militar se baseava cada vez mais «no potencial industrial, na capacidade tecnológica e nos conhecimentos técnicos», estes factores tornavam-se determinantes para o desenrolar dos acontecimentos. Desde a década de 1860, «o desenvolvimento industrial passa a ser uma condição essencial para que os Estados mantenham o seu lugar no clube das "grandes potências".» [HOBSBAWM, 1988, pp. 60-63] No dia 14 de Julho, o telegrama de Ems estava publicado nos principais jornais da Europa. Em Paris, o tratamento concedido ao embaixador, na versão do telegrama redigido por Bismarck, era considerado um insulto que a França não devia tolerar. Napoleão III deu ordem para a convocação das reservas e a Assembleia votou o orçamento para a guerra. O Marechal Edmond Leboeuf, Ministro da Guerra, declarou que o Exército estava pronto para o conflito. Na Assembleia, apenas foram contados 10 votos contra a guerra, num total de 245. As decisões tomadas em Paris rapidamente chegaram a Berlim. No dia 16 de Julho, Moltke pôs em execução os planos de guerra. No dia 19 foi entregue a Bismarck a declaração de guerra formal por parte dos Franceses. Em todo este processo, desde o início da crise, a declaração de guerra foi o único contacto estabelecido entre os governos da França e da Prússia.

O sistema de caminho de ferro francês era superior ao da Prússia e esse facto podia proporcionar uma vantagem para a França manter a iniciativa. Mas a realidade é que os Franceses não estavam preparados para o conflito embora tivessem tido a iniciativa de declararem guerra. Os seus planos para a guerra eram rudimentares e não permitiam fazer o aproveitamento necessário das infra-estruturas ferroviárias. A falta de um Estado Maior General adequado e de um planeamento feito em tempo de paz era uma das grandes fraquezas da França. A outra, era a qualidade da liderança. O exército alemão, pelo contrário, estava dotado de um Estado Maior General moderno, ciente das transformações que as novas tecnologias traziam para o meio militar e, além do mais, estava sob comando do General Helmuth von Moltke cujas qualidades militares ficaram bem esclarecidas nestas guerras.

No dia 28 de Julho, quando Napoleão chegou a Metz para assumir o comando das operações, apenas 200.000 soldados tinham sido mobilizados e muitos ainda procuravam chegar às suas unidades. O "Exército do Reno" iniciou o seu avanço a 31 de Julho e, no dia 2 de Agosto, as forças francesas atravessaram a fronteira e capturaram Saarbrücken, onde não encontraram grande resistência. Esta "vitória" foi festejada em Paris, mas a 5 de Agosto, o Primeiro Exército prussiano contra-atacou e as forças francesas foram obrigadas a retirar. O resto da guerra foi uma sucessão de vitórias da Prússia: Wissembourg (4 de Agosto), Wörth e Spicheren (6 de Agosto), Mars-la-Tour (16 de Agosto), Gravelotte – St Privat (18 de Agosto) e Sedan (1-2 de Setembro). Nesta última batalha, o próprio Napoleão III foi capturado.

Após a derrota em Sedan, o Império caiu e foi proclamada a Terceira República. No dia 19 de Setembro teve início o cerco de Paris, Estrasburgo rendeu-se a 28 e, um mês mais tarde (27 de Outubro), rendeu-se Metz. No dia 9 de Novembro, o Exército do Loire, sob comando do General D'Aurelle de Paladines, atacou e venceu uma força da Baviera, em Coulmiers. A 30 deste mês houve uma tentativa falhada de romper o cerco a Paris. A 5 de Janeiro de 1871 foi dado início ao bombardeamento da capital francesa. A 10, 11 e 12 de Janeiro, uma força francesa sob comando do General Chanzy, com cerca de 150.000 homens, foi completamente derrotada pelas tropas do Príncipe Frederico Carlos, com um efectivo três vezes menor, 50.000 homens. A 19 de Janeiro, os Franceses foram derrotados em Saint Quentin, em mais uma tentativa para libertar Paris.  Paris rendeu-se no dia 27 e, no dia seguinte assinou um armistício com a Alemanha.

Império Alemão em 1871 red

A vitória da Confederação da Alemanha do Norte e dos Estados da Alemanha do Sul, seus aliados, permitiu atingir o acordo para a unificação da Alemanha, ainda antes de terminada a guerra. No dia 18 de Janeiro de 1871, na Sala dos Espalhos do Palácio de Versalhes, foi proclamado Império Alemão e o rei da Prússia como seu imperador. Guilherme II da Prússia era, a partir de então, o Kaiser da Alemanha (Guilherme I da Alemanha) e Otto von Bismarck o seu chanceler. Quando foi acordado um armistício com os Franceses (27 de Janeiro), pondo fim ao cerco de Paris, a França teve de negociar com uma unidade política de muito maior peso do que aquela a quem tinha declarado guerra. Já não foi com a Prússia, mas com o Império Alemão que foram negociados os termos da paz. As negociações decorreram num cenário de humilhação para os Franceses pois os encontros para as negociações foram realizados em Versalhes, sob domínio alemão. No dia 26 de Fevereiro, chegaram a um acordo sobre as condições da paz e no dia 1 de Março as tropas alemãs realizaram uma parada em Paris.

Poderia a derrota da França ou a sua perspectiva suscitar a intervenção das outras potências europeias? A Áustria-Hungria não entrou na guerra ao lado da França pelo ressentimento ainda presente devido à guerra no norte de Itália (Segunda Guerra da Independência Italiana, 1859). A derrota da França permitia à Rússia maior liberdade de acção no Próximo Oriente. O Reino Unido não encontrou razões para intervir porque a situação da Bélgica, de cuja independência e neutralidade era responsável, tal como as outras Grandes Potências europeias, estava salvaguardada pela própria Confederação da Alemanha do Norte. Os Italianos não eram uma Potência que pudesse dar-se ao luxo de intervir no conflito a não ser diplomaticamente, mas a guerra e a derrota da França, que tinha sido o garante da independência de Roma, colocou esta cidade nas mãos do Estado Italiano e reduziu os domínios pontificais à cidade do Vaticano. A França encontrava-se isolada.

Pelo acordo preliminar de paz, assinado em Versalhes a 26 de Fevereiro, foram estabelecidas as novas fronteiras entre a França e a Alemanha e decidida a indeminização que a França deveria pagar. A França cedeu um território que englobava 93% da Alsácia e 26% da Lorena. Este território anexado pelo recém criado Império Alemão passou a ser designado como Território Imperial da Alsácia-Lorena.  Tratou-se também das condições de evacuação das tropas alemãs no território ocupado, das populações dos territórios da Alsácia-Lorena, dos prisioneiros de guerra e de uma série de questões de carácter administrativo. Os Estados do sul da Alemanha, Baviera, Würtemberg e Baden, só tiveram conhecimento destas condições no dia da assinatura deste tratado preliminar. O tratado de paz definitivo foi assinado em Frankfurt a 10 de Maio de 1871.

O Tratado de Frankfurt continha dezoito artigos aos quais foram acrescentados, em anexo, três artigos adicionais. Os dezoito artigos do Tratado confirmavam com algumas alterações as linhas gerais do tratado preliminar assinado em Versalhes, em Fevereiro: as fronteiras foram ajustadas (artigo I) e as disposições relativas à população que permanecia no território foram melhoradas (artigo II); foi estabelecida a entrega de documentos relativos a registos civis, militares e de outras questões administrativas sobre os territórios cedidos (artigo III) bem como as questões financeiras desses mesmos territórios (artigo IV); foi tratada a questão da navegação de canais e afluentes do reno (artigo V); a questão religiosa das comunidades católicas, protestantes ou judias desses territórios (artigo VI); o processo de pagamento da indeminização da França à Alemanha no valor total de 5.000.000.000 de francos e as condições em que se processa a ocupação até estarem reunidas determinadas condições desse pagamento (artigo VII); sobre a manutenção das tropas alemãs de ocupação (artigo VIII); sobre prisioneiros de guerra (artigo IX); sobre um conjunto de questões administrativas (artigos X a XV); sobre os túmulos dos militares mortos durante a guerra (artigo XVI); sobre futuras negociações relativas a questões não especificadas neste tratado (artigo XVII) e sobre as ratificações (artigo XVIII). Os artigos adicionais respeitam à utilização dos caminhos de ferro.

 

 

O Império Alemão

Conseguida a criação do Império Alemão, isto é, a unificação da Alemanha, foi redigida uma Constituição [OAKES & MOWAT, 1830, pp. 288-331] com setenta e oito artigos distribuídos por catorze secções. Vejamos alguns artigos que nos podem dar uma noção do que era o Império de que Bismarck foi chanceler até 1890. Na primeira secção, intitulada «Território da Confederação», fica definido o contexto geográfico do Império:

«Artigo I. O território da Confederação é composto pelos Estados da Prússia com Lauenburg, Baviera, Saxónia, Würtemburg, Baden, Hesse, Mecklenburg-Schwerin, Saxe-Weimar, Mecklenburg-Strelitz, Oldenburg, Brunswick, Saxe-Meiningen, Saxe-Altenburg, Saxe-Coburg-Gotha, Anhalt, Schwarzburg-Rudolstadt, Schwarzburg-Sondershausen, Waldeck, Reuss Elder Line, Reuss Younger Line, Schaumburg-Lippe, Lippe, Lubeck, Bremen, and Hamburg.»

Seguem-se vários artigos sobre a legislação no Império, o Conselho da Confederação, a Presidência da Confederação (que pertencia ao Rei da Prússia – artigo XI), a Dieta (parlamento) imperial, as questões de comércio e alfândegas, as questões de caminhos de ferro. Esta última merece especial atenção para a nossa análise porque o seu artigo XLI começa da seguinte forma: «Os caminhos de ferro que são considerados necessários para a defesa da Alemanha…». O seu artigo XLVII estipula o seguinte: «As requisições das autoridades do Império relativamente à utilização dos caminhos de ferro com o propósito de defesa da Alemanha devem ser obedecidas sem obstáculos por toda a administração dos caminhos de ferro […] todos os militares e materiais de guerra devem ser transportados a taxas igualmente reduzidas.»

A constituição trata depois dos assuntos postais e telegráficos, navegação e marinha mercante, serviços consulares e, na sua secção XI trata dos assuntos militares do Império. Desta secção da Constituição do Império Alemão importa salientar o seguinte:

«Artigo LVII. Todos os Alemães estão sujeitos ao serviço militar e esse serviço não pode ser prestado por substituição.

Artigo LIX. Cada Alemão capaz para o serviço pertence por 7 anos ao exército permanente, como regra desde os 20 anos de idade até aos 28; isto é, os primeiros 3 anos com o exército activo permanente e os últimos 4 anos na reserva; então, os 5 anos seguintes na Landwehr. […] a redução gradual desse serviço só pode ser feita de acordo com as necessidades do exército imperial para a guerra.

Artigo LXI. Após a publicação desta Constituição, todo o Código Militar de Leis da Prússia será adoptado através do Império sem demoras, […]

Artigo LXIII. Toda a força terrestre do Império formará um único exército que, em guerra e em paz, está sob o comando do Imperador. […]

Artigo LXIV. Todas as tropas alemãs estão obrigadas a obedecer incondicionalmente às ordens do Imperador. […]»

A Constituição continha ainda as secções relativas às finanças do Império, e um conjunto de disposições finais.

«Depois da sua unificação, a Alemanha o país mais forte no Continente […] Desde a emergência do moderno sistema de estados no tempo de Richelieu, as potências da orla da Europa – Grã-Bretanha, França e Rússia – tinham exercido pressão sobre o centro. Agora, pela primeira vez, o centro da Europa estava a tornar-se suficientemente poderoso para pressionar a periferia [KISSINGER, 1994, p. 137].

 

Bibliografia

AAVV, Oxford Encyclopedia of World History, © 1998, Oxford University Press, Great Britain, 1998, ISBN 0-19-860223-5.

BADSEY, Stephen, The Franco-Prussian War 1870-1871, © 2003, Osprey Publishing, Essential Histories nº 51, United Kingdom, 2003, ISBN 978-1-84176.

BLACKBOURN, David, History of Germany 1780-1918, © 1997, Blackwell Publishing, United Kingdom, 2007, ISBN 978-0-631-23196-7.

DUPUY, Richard Ernest & DUPUY, Trevor Nevitt, The Encyclopedia of Military History, from 3500 B.C. to the present, © 1970, Harper & Row, New York, 1986, 1524 p., ISBN 0-06-181235-8.

DUPUY, Trevor Nevitt & JOHNSON, Curt & BONGARD, David L., The Encyclopedia of Military Biography, © 1992, I. B. Tauris & Co Ltd, London, United Kingdom, 1992, ISBN 1-85043-569-3.

DUROSELLE, Jean-Baptiste, L'Europe, de 1815 a nos jours, (c) 1964, Presses Universitaires de France, Paris, 1975.

ESTEVES, Hermínio & GOMES, Nancy, «O Congresso de Viena», in Janus 2008, in http://www.janusonline.pt/arquivo/2008/2008_2_5.html, visto em 2018 novembro 14.

FARWELL, Byron, The Encyclopedia of Nineteenth-Century Land Warfare, © 2001, W. W. Norton & Company, New York, 2001, ISBN 0-393-04770-9.

HOBSBAWM, Eric John Ernest, A Era do Capital 1848-1875, © 1975, Editorial Presença, Lisboa, 1988, Dep. Legal 21851

HOLMES, Richard (Editor), The Oxford Companion to Military History, © 2001, Oxford University Press, New York, 2001, ISBN 0-19-866209-2.

KISSINGER, Henry Alfred, Diplomacy, © 1994, Simon & Schuster, New York, 1994, 912 p., ISBN 0-671-65991-X

MILLER, Stuart T., Mastering Modern European History, © 1988, Palgrave, New York, 1997, ISBN 978-0-333-64081-4.

MITCHELL, Brian R., European Historical Statistics 1750-1970, © 1975, The Macmillan Press Ltd, London, 1976, ISBN 0-231-03973-5.

OAKES, Sir August & MOWAT, Robert Balmain (Editores), The Great European Treaties of the Nineteenth Century, © 1918, Oxford University Press, Great Britain, 1930.

PRADA, Valentin Vazquez de, História Económica Mundial, volume 2, © 1966, Livraria Civilização Editora, Porto, 1994, ISBN 972-26-0408-2.

SPERBER, Prof. Jonathan (Editor), «Excerpt from Bismarck's "Blood and Iron" Speech (1862)», in German History in Documents and Images, in http://germanhistorydocs.ghi-dc.org/sub_document.cfm?document_id=250&language=english, visto em 2018 novembro 14.

TAYLOR, Alan John Percival, Bismarck, o Homem e o Estadista, © 1955, Edições 70, Portugal, Fevereiro de 2009, ISBN 978-972-44-1520-8.

TAYLOR, Alan John Percival, How Wars Begin, © 1979, Hamish Hamilton, London, 1979, ISBN 0-241-10017-8, Capítulo 3 «Bismarck's Wars», pp. 70-98.

TAYLOR, Alan John Percival, The Struggle for Mastery in Europe 1848-1918, © 1954, Oxford University Press, Great Britain, 2001, ISBN 0 19 881270 1.

 

Torres Vedras, 12 de Janeiro de 2019

Manuel F. V. G. Mourão