6 - A Aliança Franco-Russa e a aproximação franco-italiana

Alianças e focos de tensão na Europa depois de 1890

Guilherme II da Alemanha, imperador desde Junho de 1888, em desacordo com Bismarck na generalidade dos assuntos do governo do Império, pressionou a demissão do Chanceler e definiu uma política externa diferente daquela que até aí tinha sido seguida. A política alemã, que se baseava inteiramente na sua supremacia europeia, passou a ser uma política mundial (Weltpolitik) e lançou a Alemanha na corrida colonial. As alterações na política externa da Alemanha passaram também por uma alteração importante no relacionamento com as outras Grandes Potências.

O sistema de alianças que Bismarck tinha criado e que tinha garantido a paz na Europa foi destruído quando o Governo alemão, em 1890 não renovou o Tratado de Resseguro com a Rússia. A questão mais importante não foi o conteúdo do tratado, mas o facto de a Rússia ter ficado isolada, numa situação semelhante à da França. Isto significava que tanto a Rússia como a França podiam quebrar o seu isolamento estabelecendo uma aliança. Era precisamente esta situação que Bismarck mais temia porque, se essa aliança fosse estabelecida e houvesse uma guerra com a Alemanha, esta teria de enfrentar os seus inimigos a ocidente e a oriente.

Apesar das advertências do embaixador alemão em São Petersburgo que considerava que a rejeição de um qualquer acordo com a Rússia levaria esta Potência a procurar noutro local o apoio que a Alemanha lhe negava, o Governo alemão decidiu desta forma. O Governo russo tinha insistido para renovar o Tratado de Resseguro e, perante a resposta negativa da Alemanha, propôs um compromisso que até poderia ser mais limitado: «uma troca de notas seria suficiente, talvez uma troca de cartas entre os monarcas, um qualquer documento escrito, mesmo em termos gerais.» [MILZA, 2007, p. 88, transcrição não referenciada] Os colaboradores do Governo alemão, especialmente o barão Friedrich von Holstein (1837-1909), defendiam a não renovação porque existia uma clara contradição entre a Tríplice Aliança e o Tratado de Resseguro porque os termos do Tratado de Resseguro estavam em contradição com os termos do Tratado da Tríplice Aliança, ou seja, perante um confronto entre a Áustria-Hungria e a Rússia, a Alemanha não conseguiria agir de acordo com ambos os tratados. Holstein defendia ainda que a Rússia não iria estabelecer uma aliança com a França porque «a Rússia não tinha interesse em lutar pela Alsácia-Lorena e a França não estava interessada em lutar pelos eslavos dos Balcãs.» [KISSINGER, 1994, p. 180]

A ideia defendida pelo Governo alemão estava profundamente errada porque, a realidade era que a França e a Rússia necessitavam uma da outra. A França nunca poderia reconquistar a Alsácia Lorena sem primeiro derrotar a Alemanha ou, pelo menos, enfraquecê-la. Só em consequência da derrota numa guerra a Alemanha abdicaria da Alsácia-Lorena. Para a eventualidade de uma guerra com a Alemanha, a França necessitava de uma aliança com a Rússia. Esta, por seu lado, teria dificuldade em defender os seus interesses nos Balcãs porque se resultasse daí um conflito com a Áustria-Hungria, a Alemanha interviria ao lado da sua aliada. Por esta razão, a Rússia necessitava de uma aliança com a França.

A 1 de Julho de 1890, em Berlim, a Alemanha e o Reino Unido estabeleceram um acordo em que se trocavam territórios e zonas de influência na Europa e em África. No que respeitava à Europa, o que interessa agora referir, a Alemanha adquiriu o arquipélago de Heligolândia, formado por duas ilhas e situado no Mar do Norte a cerca de 60 Km da foz do Rio Elba. Estas ilhas eram de grande importância para a Alemanha pois situam-se em posição que ajuda à defesa do extremo ocidental do canal de Kiel. Embora este canal só viesse a estar terminado em 1895, a sua construção teve início em 1887. Este canal permitia encurtar a viagem entre o Mar do Norte e o Mar Báltico em cerca de 460 Km evitando contornar a Península da Jutlândia e passar pelo estreito de Skagerrak dominado pela Dinamarca, Suécia e Noruega. Tornava-se assim mais rápido e mais seguro para a marinha alemã ligar as suas bases navais no Báltico ao Mar do Norte. As ilhas de Heligolândia funcionavam como um posto avançado que permitia vigiar para que este movimento fosse executado em segurança.

«ARTIGO XII

1. Até à aprovação pelo parlamento britânico, Sua Majestade Britânica outorgará a soberania sobre a Ilha de Heligoland e todas as suas instalações a Sua Majestade o Kaiser Alemão.»

Seguiam-se mais seis parágrafos que tratavam das questões relativas aos habitantes das ilhas e à sua propriedade. Os onze artigos anteriores respeitavam aos territórios africanos. [Texto completo do Tratado em http://germanhistorydocs.ghi-dc.org/pdf/eng/606_Anglo-German%20Treaty_110.pdf; Deve ter-se em atenção que no Artigo I, secção 3. segundo parágrafo, existe um erro de transcrição: onde se lê «In Southwest Africa ...» deve ler-se «In East Africa»]

No início de 1891, durante uma visita a Paris, a princesa Victoria, mãe de Guilherme II da Alemanha, terá feito afirmações que não foram bem aceites pela opinião pública francesa que se manifestou contra a princesa. Esta foi obrigada, por questões de segurança, a abandonar Paris. Começou então a circular o rumor da mobilização das forças alemãs e de uma guerra iminente. Apesar de estes rumores não passarem disso mesmo, o Governo francês sondou o Governo russo sobre a atitude que a Rússia assumiria no caso de uma guerra entre a França e a Alemanha e não obteve mais que uma resposta evasiva.

Em Maio de 1891 foi renovado o Tratado da Tríplice Aliança. Em 1887, quando a aliança foi renovada pela primeira vez, foram assinados três tratados: foi feita a renovação do Tratado de 1882 sem alterações, foi estabelecido um novo tratado entre a Itália e a Alemanha e um outro entre a Itália e a Áustria-Hungria. Em 1891, estes três tratados foram fundidos num único diploma que continha as mesmas disposições dos anteriores e reforçava com um novo artigo (IX) a possibilidade de a Alemanha «apoiar a Itália em qualquer acção de ocupação ou tomada de garantia que a última (a Itália) deva empreender nessas mesmas regiões (Cirenaica, Tripolitânia e Tunísia) tendo em vista o interesse do equilíbrio e de legítima compensação … em tal eventualidade as duas Potências procurarão colocar-se da mesma forma em acordo com a Inglaterra.»  [SCHMITT, 1945, p. 39]

Apesar da insistência dos Franceses em tentarem atrair a Itália para o seu campo, era no Tratado da Tríplice Aliança e nos Acordos do Mediterrâneo que esta Potência encontrava a segurança dos seus territórios coloniais no Norte de África e, por isso, preferiu manter aquelas ligações mesmo com as implicações que isso lhe trazia para os territórios irredentos e a consequente impopularidade. Assim, a renovação da Tríplice Aliança foi amplamente anunciada no início do Verão de 1891. Além disto, pressionado pelo Parlamento, o Governo britânico declarou que estava disposto a cooperar com a Tríplice Aliança e especialmente com a Itália tendo em vista a manutenção do status quo no Mediterrâneo e no Próximo Oriente. Uma frota da Royal Navy foi recebida nas águas territoriais italianas e austro-húngaras e Guilherme II visitou Londres onde foi calorosamente recebido.

A Rússia e a França foram mantidas à margem destes acontecimentos ficando assim libertas para negociar um acordo vantajoso para ambas as Potências. Para os Franceses, esta aproximação à Russia, apesar das vantagens apontadas, estava em contradição com a sua política tradicional no Próximo Oriente que passava por grandes investimentos no Império Otomano. A Rússia, por seu lado, mantinha alguma relutância na aproximação à França, mas dois factores importantes provocaram uma mudança de rumo. Em primeiro lugar, a possibilidade de o Reino Unido estreitar os laços com a Tríplice Aliança, o que colocaria em risco a retaguarda russa (as fronteiras com a Alemanha e a Áustria-Hungria) em caso de conflito com aquela Potência na Ásia Central. Neste caso, a forma de evitar a intervenção alemã ou austro-húngara - mais provável esta última, por causa dos Balcãs - era a de encontrar um aliado que obrigasse a Alemanha a dividir as suas forças. Em segundo lugar, a necessidade de financiamento.

Os bancos franceses tinham um papel importante no financiamento dos caminhos de ferro russos que, entre outras razões, eram essenciais para o desenvolvimento do sistema de mobilização. Em Novembro de 1888, os bancos franceses emprestaram à Rússia 125.000.000 de rublos, a que se seguiram outros empréstimos com os quais o Governo francês pretendia atrair a Rússia para o seu campo. Em Maio de 1890, o governo de Paris mandou prender alguns anarquistas russos que se encontravam ali refugiados. Em Agosto, o General Subchefe do Estado Maior francês, Raoul Le Mouton de Boisdeffre (1839-1919), foi assistir, a convite do Governo russo, às grandes manobras militares. Durante essa visita teve várias reuniões com os generais russos onde se falou de cooperação militar, de uma possível convenção e da venda de armamentos que a Rússia viria a encomendar no início de 1891.

No dia 23 de Julho, uma frota francesa chegou a Kronstadt, a base naval russa perto de São Petersburgo. O mais relevante desta visita foi o facto de o Czar Alexandre III ter autorizado que se tocasse a Marseillaise, o hino nacional francês desde 1785, e o ouvisse em atitude respeitosa. Até esse acontecimento, era proibido tocar na Rússia o hino francês atendendo ao seu carácter revolucionário. Este foi um grande sinal dos passos que a Rússia autocrática estava disposta a dar para uma aproximação à França republicana.

Apesar destes sinais claros de aproximação, Alexandre III continuou com dúvidas sobre a assinatura de uma aliança com a França. O Governo francês recorreu às suas armas económicas para obrigar o Governo russo a alterar a sua posição e pressionou o Banco Rothschild, para não conceder qualquer empréstimo à Rússia enquanto esta não assinasse um acordo com a França.

 

A Aliança Franco-Russa

Já não havia dúvida que a França e a Rússia estavam a estabelecer uma parceria. Restava saber em que áreas, para além da diplomática, essa parceria seria desenvolvida e com que profundidade. A 27 de Agosto de 1891, foi estabelecido um acordo político entre as duas Potências. Esse acordo tomou a forma de notas trocadas entre a França e a Rússia e estabelecia o seguinte: [SCHMITT, 1945, pp. 40-41]

«1. A fim de definir e consagrar o acordo cordial que os une, e no seu desejo de contribuir com um acordo para a manutenção da paz, o qual é o objecto dos seus mais sinceros desejos, os dois governantes declaram que se consultarão em todas as questões que sejam de natureza a ameaçar a paz.

2. No caso de essa paz vir a estar realmente em perigo, e especialmente no caso em que uma das duas partes venha a ser ameaçada de agressão, as duas partes concordam em chegar a um entendimento sobre as medidas que, perante a materialização daquela eventualidade, sejam consideradas serem adoptadas imediata e simultaneamente por ambos os governos.»

Um acordo como este era vago e limitado a acções diplomáticas. Não assegurava mais que a boa vontade de uma das partes em relação à outra. Se uma das partes fosse atacada pela Alemanha, nada obrigava a outra a entrar no conflito. Por esta razão, o Governo francês começou a trabalhar no sentido de obter uma convenção militar entre as duas Potências. Para o Governo francês era importante que a Rússia dirigisse a sua atenção para a Alemanha, mas a Rússia mostrava-se preocupada principalmente com a Áustria-Hungria, atendendo ao conflito de interesses nos Balcãs. Por fim, foi possível ambas as partes chegarem a um entendimento que, no entanto, o Czar Alexandre III recusou ratificar. Tanto o Czar como Giers ainda procuravam estabelecer algum entendimento com a Alemanha que, apesar da não renovação do Tratado de Resseguro, pretendia estabelecer um tratado comercial. Além disso, Alexandre III não queria envolver a Rússia numa guerra com a Alemanha provocada pelo desejo de revanche dos Franceses.

A situação arrastou-se com o Governo francês a aproveitar todos os meios para pressionar ou para atrair o Governo russo. Entretanto, foi publicada na Alemanha, em 1893, uma lei que, embora reduzisse o tempo de serviço militar de três para dois anos, aumentava o número de efectivos do Exército em tempo de paz. Os Franceses responderam apoiando os avanços russos na Ásia Central, mostrando dessa forma que podiam ser um aliado valioso da Rússia. Ainda neste ano, na Ásia Central, quando a Rússia avançou em direcção à cordilheira do Pamir, os Franceses opuseram-se com firmeza ao avanço dos Britânicos no Sião. A atitude dos Franceses quase provocou uma guerra com os britânicos, mas convenceu o Czar da vantagem de uma aliança com a França. Em Outubro de 1893 uma esquadra russa entrou em Toulon e teve uma recepção muito calorosa. Alexandre III decidiu ratificar a convenção militar preparada a 18 de Agosto de 1892. A Rússia ratificou a Convenção a 27 de Dezembro de 1893 e a França fez o mesmo a 4 de Janeiro de 1894. Ficou assim firmada a aliança que deu o golpe de misericórdia no sistema de Bismarck.

Tratava-se de um tratado com carácter defensivo, direccionado para a eventualidade de um ataque lançado por forças da Tríplice Aliança. Na eventualidade de se efectuar um tal ataque, ambas as partes concordaram em reagir da seguinte forma [Texto do Tratado franco-russo em “THE AVALON PROJECT” da Yale Law School, EUA, (http://avalon.law.yale.edu/19th_century/frrumil.asp), visto em 2019-03-07]:

«Artigo 1.

Se a França for atacada pela Alemanha, ou pela Itália apoiada pela Alemanha, a Rússia empregará todas as suas forças disponíveis para atacar a Alemanha.

Se a Rússia for atacada pela Alemanha, ou pela Áustria apoiada pela Alemanha, a França empregará todas as suas forças disponíveis para atacar a Alemanha.»

Esta era a situação que Bismarck mais temia e foi criada pela não renovação do Tratado de Resseguro. O conflito que colocaria a Alemanha perante duas frentes, a ocidente contra a França e a oriente contra a Rússia podia surgir longe das fronteiras alemãs. Bastava que a Rússia e a Áustria-Hungria entrassem em guerra por causa dos respectivos interesses nos Balcãs e a Alemanha ver-se-ia arrastada para a pior das hipóteses a que se juntaria a necessidade, como veio a verificar-se no conflito 1914-1918, de ser ainda necessário apoiar a Áustria-Hungria.

«Artigo 2.

No caso de as forças da Tríplice Aliança, ou de uma das Potências pertencentes a ela, vier a mobilizar, a França e a Rússia, perante as primeiras notícias deste evento e sem ser necessário um acordo prévio, mobilizarão imediata e simultaneamente todas as suas forças e transportá-las-ão tão longe quanto possível em direcção às suas fronteiras.»

Este artigo antecipa a situação em que, quando uma ou todas as Potências da Tríplice Aliança iniciarem os seus planos de mobilização, a Rússia e a França tomarão simultaneamente a mesma atitude. Este artigo conduz a uma sucessão de acções desencadeadas pelas diferentes Potências que se encontram ligadas no sistema de alianças em vigor. Por exemplo, uma mobilização das forças da Áustria-Hungria, que tinha fronteira com a Rússia, mas não com a França, iria desencadear a mobilização na Rússia e, de acordo com este artigo, também na França. A Alemanha mobilizaria obrigatoriamente porque, ligada à Áustria-Hungria pela Aliança Dual, seria obrigada a apoiar a sua aliada «com toda a força militar do(s) seu(s) Império(s)» (Artigo 1) e porque existia o perigo de ser atacada em duas frentes. Foi uma situação como esta que desencadeou a mobilização das Potências em 1914.

«Artigo 3

As forças disponíveis para serem empenhadas contra a Alemanha serão, da parte da França, 1.300.000 homens, da parte da Rússia, 700.000 ou 800.000.

Estas forças serão completamente empenhadas com tal rapidez que a Alemanha terá de combater simultaneamente a Leste e a Oeste.»

Este artigo dá-nos ideia da dimensão de um possível conflito entre as Grandes Potências e vem dar razão a Bismarck na sua constante preocupação em isolar a França.

Os artigos seguintes referem-se à cooperação entre os Estados Maiores de ambas as Potências (Artigo 4), às condições para a conclusão da paz (Artigo 5), à duração da convenção (Artigo 6) e do segredo em que todas as cláusulas seriam mantidas (Artigo 7).

A existência deste tratado foi publicamente admitida em 1895. A sua criação veio restabelecer o equilíbrio de poder e, na década seguinte, não surgiu na Europa nenhuma ameaça à paz. «Durante esses anos, os dois grupos (Tríplice Aliança por um lado e Aliança Franco-Russa pelo outro) mantiveram-se lado a lado e, apesar de alguns incidentes, houve uma considerável cooperação entre eles.» [SCHMITT, 1945, p. 44]

 

A aproximação franco-italiana

As relações entre a França e a Itália não estavam a correr bem por duas razões imediatas. Em primeiro lugar, por causa da intervenção francesa na Tunísia, em 1881. Em segundo lugar, por causa da rivalidade entre os produtores agrícolas. A questão da Tunísia foi o principal argumento dos Italianos para aderirem à Tríplice Aliança e foi também a principal razão para a Itália aderir aos Acordos do Mediterrâneo em 1887. O primeiro ministro italiano Francesco Crispi (1819-1901), que governou de 1887 a 1891 e de 1893 a 10 de Março de 1896, abandonou o pensamento democrata liberal para se aproximar de Bismarck e governar num estilo autoritário. Simultaneamente, mostrava uma grande hostilidade em relação à França. Crispi desenvolveu a sua política com base no prestígio internacional, para o que precisava do apoio alemão, e numa expansão imperialista para a qual não dispunha dos recursos económicos e militares adequados. A sua política necessitava assim da aliança e dos acordos acima referidos, mas também de apoio interno, ou seja, de uma opinião pública favorável.

«A revolução industrial começou na Itália no decénio 1880-1890, graças à unificação política e à protecção alfandegária a partir de 1878.» [PRADA, 1994, p. 222] Esta política proteccionista foi aplicada não apenas na indústria, mas também na produção agrícola quando esta passava por um período de depressão na Europa. As medidas que em França e na Itália foram tomadas para proteger as suas próprias produções – a protecção alfandegária – não eram diferentes das que outros países adoptaram, por exemplo a Alemanha. Em Dezembro de 1886, para defender a siderurgia e os produtores de cereais, o Governo italiano denunciou o tratado de comércio franco-italiano, assinado em 1881 e que deveria vigorar até 1892. Com esta atitude, o Governo italiano esperava que o Governo francês aliviasse o fardo tarifário sobre os produtos italianos. Em ambos os parlamentos, os grupos proteccionistas ganharam terreno nas assembleias. O aumento de tarifas por parte dos Italianos, em Julho de 1887, veio dificultar as negociações entre os dois países. Nos dois lados dos Alpes, as taxas alfandegárias subiram consideravelmente e o comércio entre ambos caiu cerca de 40%. Fossem quais fossem as causas evocadas pelos respectivos parlamentos e governos para esta ruptura comercial, o que parece mais certo é que ela «provém do antagonismo económico entre uma jovem Potência que se quer afirmar e um vizinho muito poderoso» que queria, por seu lado, afirmar o seu poder financeiro. [GIRAULT, 2004, p. 200]

Na costa oriental de África, na zona sul do Mar Vermelho, os Italianos tinham estabelecido uma colónia que ficou conhecida por Eritreia. Este território situa-se a norte da Etiópia, Estado africano independente que a Itália pretendia transformar num protectorado. Em 1895, os Italianos invadiram a Etiópia, a partir da Eritreia, mas no dia 1 de Março de 1896 sofreram uma importante derrota na Batalha de Adwa, perto da actual fronteira norte da Etiópia. Esta derrota de uma potência europeia perante um Estado africano foi uma humilhação para Itália, mas um grande motivo de orgulho para a Etiópia. Em Itália, foi o golpe final que provocou a queda de Crispi.

O seu sucessor, António Sttaraba di Rudini (1839-1908), que já tinha sido primeiro ministro de Itália em 1891 e 1892, seguiu uma linha diferente. A guerra alfandegária entre a Itália e a França teve efeitos muito negativos na economia italiana e isso levou a que os homens de negócios italianos pressionassem o seu Governo para uma aproximação à França. O Governo francês foi igualmente pressionado pelos círculos de negócios, apesar da oposição dos vinicultores do Sul e os negociantes de seda de Lião que temiam perder a segurança das medidas proteccionistas. Mas a Itália necessitava de recursos financeiros e a França dispunha de bancos com capital necessário para satisfazer essas necessidades. A França, por seu lado, pretendia afastar a Itália da Tríplice Aliança, pelo que deu passos cautelosos com vista a pressionar o Governo italiano.

Europa 1902

Em Setembro de 1896, a França e a Itália assinaram uma convenção sobre a Tunísia. De acordo com esta convenção, a Itália reconhecia o protectorado francês sobre a Tunísia, mas, em troca, obtinha vantagens económicas e os Italianos ali residentes passavam a usufruir de alguns privilégios relativamente a outras colónias europeias. Esta convenção resolveu o diferendo entre as duas Potências no Norte de África, mas só dois anos mais tarde, em 1898, foram concluídas as negociações que permitiram estabelecer um acordo para pôr um fim à guerra alfandegária.

Embora a Itália se mantivesse ligada à Alemanha e à Áustria-Hungria pela Tríplice Aliança, os governos austríaco e alemão mostram alguma inquietação com a aproximação franco-italiana. Em primeiro lugar porque a França iria tentar provocar um despertar do sentimento irredentista que poderia vir a causar problemas no relacionamento com a Áustria-Hungria. Em segundo lugar, porque existindo um bom relacionamento entre as duas potências – Itália e França - «a Alemanha terá todo o Exército Francês às costas, sem ao menos uma pequena parte ficar retida na fronteira com os Alpes.» [citado por MILZA, 2007, p. 96, sem indicar a fonte]

As negociações entre a França e a Itália prosseguiram apesar de, a 28 de Junho de 1896 ter sido renovada a Tríplice Aliança, sem alterações. Contudo, só seis anos mais tarde, a 30 de Junho de 1902, a Itália e a França assinaram um acordo secreto que, na tentativa de iludir as outras Grandes Potências, tomou a forma de troca de correspondência entre os dois governos. Apesar de não serem conhecidos os termos do acordo, era do conhecimento geral a sua existência. Ficou definido que a Itália manteria uma estrita neutralidade no caso de guerra entre a França e a Alemanha, não só se a Alemanha fosse a agressora, mas também no caso em que a França, na sequência de uma provocação indirecta, viesse a tomar a iniciativa da guerra. Até ao início da guerra, em 1914, a Itália manteve o seu acordo com a França em simultâneo com a Tríplice Aliança, procurando obter de ambas as partes o máximo de vantagens.

 

Conclusão

No início do século XX, afastado o conceito essencial do sistema de alianças de Bismarck, começaram a tomar forma dois blocos: o primeiro assentava na aliança entre a Alemanha e a Áustria-Hungria, à qual se juntou a Itália embora esta não fosse considerada pelas outras Potências como um elemento de valor apreciável; o segundo, formado pela França e pela Rússia, que colocava a Alemanha perante a possibilidade de uma guerra em duas frentes, e ao qual a Itália garantia a neutralidade em caso de guerra entre a França e a Alemanha. A França e a Rússia já não estavam isoladas e o Reino Unido, que não desejava assumir compromissos no Continente europeu, já tinha, pelo menos, dado a entender que não faria alianças contra a França.

 

Bibliografia

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GIRAULT, René, Diplomatie européenne, Nations et impérialismes 1871-1914, © 1997, Éditions Payot & Rivages, Paris, 2004, ISBN 2-228-89919-4.

KISSINGER, Henry Alfred, Diplomacy, © 1994, Simon & Schuster, New York, 1994, 912 p., ISBN 0-671-65991-X 

MILZA, Pierre, As Relações Internacionais de 1871 a 1914, © 1995, Edições 70, Lisboa, 2007, ISBN 978-972-44-1334-1.

PRADA, Valentin Vazquez de, História Económica Mundial, volume 2, © 1966, Livraria Civilização Editora, Porto, 1994, ISBN 972-26-0408-2.

SCHMITT, Bernadotte E., Triple Alliance and Triple Entente, © 1934, Henry Holt and Company, New York, 1945.

TAYLOR, Alan John Percival, The Struggle for Mastery in Europe 1848-1918, © 1954, Oxford University Press, Great Britain, 2001, ISBN 0-19-881270-1.

YOKELL, Marshall A. IV, The treaty of Helgoland-Zanzibar: the beginning of the end for the Anglo-German friendship?, © 2010, University of Richmond, Master's Theses, 694, in https://scholarship.richmond.edu/masters-theses/694, visto em 2019-03-05.

 

Torres Vedras, 10 de Junho de 2019

Manuel F. V. G. Mourão