Livro VI

LIVRO VI

I – Esperando um maior movimento da Gália, César encarrega os seus lugar-tenentes Marco Silano, Caio Antístio Regino e Tito Sêxtio de recrutarem tropas; ao mesmo tempo pede a Gneu Pompeu, procônsul, pois que este, no interesse do Estado, continuava nas circunvizinhanças de Roma, com o comando (sobre a Itália), para ordenar aos recrutas da Gália Cisalpina que haviam prestado juramento no seu consulado (ano de 55) que reunissem as suas insígnias e partissem para junto dele (César). Pompeu concordou com este pedido para bem do Estado e da amizade e os legados depressa terminaram os seus recrutamentos: três legiões foram formadas e levadas para a Gália antes do final do Inverno; assim o número de coortes que perdera com Quinto Titúrio estava agora duplicado.

Marco Júlio Silano, filho de Servílio e irmão uterino de Marco Bruto, torna-se nesse ano de 53 legado de César. Após o seu assassínio, serve primeiro Bruto, passando-se depois para António. Após a derrota deste, junta-se na Sicília a Sexto Pompeu. Voltou a Roma em 39. Será cônsul com Augusto em 25.

Tito Sêxtio é legado de César desde 53. Em 44 é nomeado governador da Numídia, disputando em seguida a Quinto Cornifício a posse da província de Africa, onde se manterá até 41.

Caio Antístio Regino; legado em 53 e 52.

II – Após a morte de Induciómaro, os tréveros entregaram o poder aos seus próximos, que continuam a solicitar os germanos da sua vizinhança, prometendo-lhes subsídios; nada deles havendo obtido, dirigem-se aos mais afastados. Conseguem audiência junto de certos Estados, ligando-se por juramento e garantindo os subsídios com reféns; envolvem Ambiorix na sua liga e no seu pacto.

César, vendo que de todos os lados se preparava a guerra; que os nérvios, aduátucos, menápios, bem como todos os germanos cisrenanos, estavam em armas; que os sénones não se rendiam às suas ordens e se concertavam com os carnutos e os Estados vizinhos; que os tréveros solicitavam os germanos por frequentes embaixadas; vendo tudo isto, César decidiu que tinha de precipitar a guerra.

III – Assim, sem esperar pelo final do Inverno, reuniu as quatro legiões mais próximas (a quarta foi a de Fábio, com quartéis entre os mórinos) e, inesperadamente, partiu para o país dos nérvios; antes que pudessem reunir ou fugir, apanhou-lhes grande número de homens e de animais; abandonou este saque aos soldados; devastou-lhes as terras e forçou-os à submissão e à entrega de reféns. Após esta rápida expedição, reconduziu as legiões para os seus quartéis de Inverno.

No começo da Primavera convoca, segundo o uso que instituíra, a assembleia da Gália; todos ali vieram, com excepção dos sénones, dos carnutos e dos tréveros. Para fazer ver que todo o restante era secundário, transporta a assembleia para Lutetia (antes chamada Lucotetia; hoje, a Cité), cidade dosParisii (habitando na confluência do Sena – Sequana e do Marne – Matrona). Estes confinavam com os sénones e haviam anteriormente formado um só Estado com eles; porém, pareciam ser estranhos à revolta.

Anunciando a sua decisão (tudo o mais era secundário) à assembleia, César, nesse mesmo dia, parte com as legiões para o país dos sénones, onde chega a grandes etapas.

IV – A notícia da sua aproximação, Acco, que fora o instigador do conluio, ordena à multidão que se reúna em praças-fortes; mas antes que a sua ordem pudesse ser executada é anunciada a chegada dos romanos. Enviam então deputados a César implorando o perdão; recorrem também à intercessão dos éduos, que havia muito tempo os protegiam. À súplica dos éduos, César perdoa-lhes e recebe as suas desculpas; exige cem reféns, cuja guarda confia aos éduos. Os carnutos enviam também ao país dosSenones deputados e reféns, mandando implorar o seu perdão pelos Remi, de que são clientes; também o obtêm.

César encerra (só) então a assembleia e ordena aos Estados que lhe forneçam cavaleiros.

V – Volta todos os seus pensamentos para a guerra contra os Treveri e Ambiórige. Ordena a Cavarino que parta com ele, com a cavalaria dos sénones, por receio de que o carácter irascível deste chefe ou o ódio que a si atraíra no seu Estado excitasse algum tumulto.

Perto do país dos Eburones, defendidos por uma linha contínua de pântanos e de florestas, habitavam os menápios. César sabia que Ambiórige a eles estava unido por laços de hospitalidade; também não ignorava que fizera aliança com os germanos por intermédio dos tréveros; Decidiu-se, antes de atacarAmbiorix, a arrebatar-lhe estes aliados.

César envia as bagagens de todo o exército a Labieno, entre os tréveros, e ordena a duas legiões que partam e se lhe reúnam; com cinco legiões sem bagagens, marcha contra os Menapii.

Estes, fortes nas suas posições, não reúnem tropas; refugiam-se nas suas florestas e nos seus pântanos, para aí transportando os seus bens.

VI – César partilha as suas tropas com o seu legado Caio Fábio e com o seu questor Caio Crasso e, depois de rapidamente haverem construído pontes, entram no país por três lugares, incendeiam construções e aldeias; levam grande quantidade de animais e de homens. Assim constrangidos, os menápios enviam-lhe deputados a pedir a paz. Recebe os seus reféns, declarando-lhes que os incluiria no número dos seus inimigos se recebessem no seu pais Ambiorix ou os seus lugar-tenentes. Tendo resolvido estes assuntos, deixa entre os menápios, para os vigiar, Cómio o atrébate com cavalaria e marcha contra os tréveros.

VII – Durante estas expedições, os tréveros, havendo reunido forças consideráveis de infantaria e de cavalaria, preparavam-se para atacar Labieno, que invernava no seu país com uma só legião; não estavam a mais de dois dias de marcha do campo de Labieno quando são informados que mais duas legiões acabam de lhe chegar. Estabelecem-se então a 15.000 passos e decidem esperar pelo socorro dos germanos.

Deixando cinco coortes de guarda às bagagens, Tito marcha com as outras vinte e cinco e numerosa cavalaria ao encontro do inimigo, entrincheirando-se a uma distância de 1.000 passos deste. Entre as suas tropas e o inimigo havia um rio de passagem difícil e margens abruptas; não tinha intenção de o atravessar e não pensava que o inimigo o quisesse fazer.

No conselho, Labieno declara, para que todos o ouçam: «Que, uma vez que se diz que os germanos se aproximam, não arriscará a sorte do exército e a sua e que no dia seguinte, ao romper do dia, levantará o acampamento». As suas palavras são rapidamente relatadas ao inimigo. De noite, Tito reúne os tribunos e os centuriões das primeiras coortes e expõe-lhes o seu desígnio; para melhor fazer crer ao inimigo que tem medo, ordena que se levante o campo com mais tumulto e barulho do que é habitual. O inimigo é informado disso antes do nascer do dia pelos seus batedores.

VIII – Mal a nossa vanguarda havia avançado para fora dos seus entrincheiramentos já os gauleses se exortam uns aos outros a não deixar escapar das mãos presa tão desejada: não hesitam em atravessar o rio e em dar batalha numa posição desfavorável.

Labieno, para os atrair a todos para cá do rio, continuava a sua simulação e avançava lentamente na marcha; entretanto, envia as bagagens um pouco para a frente, colocando-as sobre uma colina. E logo ordena que se virem as insígnias para o inimigo e se forme a frente de batalha; destaca alguns esquadrões para a guarda às bagagens e dispõe o resto da cavalaria nas alas. Rapidamente, os nossos elevam o seu clamor e lançam os seus dardos sobre o inimigo, que não pôde sequer aguentar o primeiro embate e foi posto em debandada, fugindo para as florestas vizinhas; a cavalaria lançou-se em sua perseguição, matando grande número e fazendo muitos prisioneiros.

Poucos dias depois, recebeu a submissão do seu Estado. Os parentes de Induciómaro, que haviam sido os instigadores da defecção, fugiram para os germanos. A Cingetórige foi confiado o principado e o comando militar.

IX – César resolve então atravessar o Reno, fazendo-se uma ponte um pouco acima do local onde se construíra a primeira; a obra ficou concluída em poucos dias.

Deixando uma forte guarda à entrada da ponte entre os tréveros, para impedir que uma revolta estalasse subitamente do lado deles, atravessa o rio com o resto das legiões (tinha dez) e a sua cavalaria.

Os Ubii, que anteriormente haviam entregue reféns e aceite a submissão, enviam-lhe deputados: se quer mais reféns, comprometem-se a entregar-lhos.

César “informa-se e descobre” (está a gozar connosco) que foram os suevos os que enviaram socorro aos tréveros; aceita as explicações dos úbios e indaga dos acessos e das vias que conduzem ao país dos Suevi (tratava-se, sim, de uma nova guerra de expansão).

X – Poucos dias depois, é informado pelos úbios que os suevos reúnem todas as suas forças num só local, e de que enviam ordens as povos na sua dependência para que lhes façam chegar reforços de infantaria e de cavalaria.

César trata de fazer provisão de trigo, escolhe uma posição favorável para o acampamento e ordena aos Ubii que levem os seus rebanhos e todos os seus bens para as praças-fortes; ordena-lhes ainda que enviem numerosos batedores ao país dos suevos.

Passados alguns dias, relatam-lhe que todos os suevos, com as suas tropas e as dos seus aliados, se haviam retirado para o extremo do seu país; que há ali uma floresta imensa, que se chama Bacenis(compreendia as serras com floresta do Hessen), que se alonga muito para o interior e que, como se fosse um muro natural, defende os suevos e os queruscos (Cherusci; habitavam entre o Elba e o Weser; ou seja, bem mais a norte do Hessen) de violências e de incursões recíprocas; que é à entrada desta floresta que os suevos decidiram esperar os romanos.

XI – Na Gália, não só em cada Estado e em cada pequeno país e fracção de país, como também até em cada família, existem partidos; à cabeça destes partidos estão os homens que passam por ter mais crédito e a quem cabe julgar e decidir em todos os assuntos e decisões. Esta instituição, que é muito antiga, parece ter por finalidade fornecer a todo o homem do povo uma protecção contra o mais poderoso que ele: porque nenhum chefe deixa oprimir ou assaltar os seus e, se lhe acontece agir de outro modo, perde todo o crédito junto deles.

Este sistema é aplicado em toda a Gália: porque todos os Estados estão ali divididos em dois partidos.

XII – À chegada de César à Gália, um dos partidos tinha por chefe os éduos, o outro, os séquanos. Estes eram menos fortes, pois havia muito tempo que a influência principal pertencia aos éduos, cuja clientela era considerável.

Associados a Ariovisto e aos seus germanos, vitoriosos em várias batalhas, onde quase toda a nobreza dos éduos havia perecido, ganharam tal preponderância que grande parte dos clientes dos éduos passou para o seu lado; receberam como reféns os filhos dos seus chefes; forçaram o seu Estado a jurar solenemente que nada empreenderia contra eles; os séquanos a si atribuíram a parte do território limítrofe que haviam conquistado e obtiveram a supremacia em toda a Gália.

Reduzido a este extremo, Divicíaco partira para Roma a pedir o socorro do senado, e voltara sem nada obter. Com a chegada de César, a face das coisas mudou completamente: os reféns foram entregues ao éduos, as suas antigas clientelas foram-lhes restituídas, novas lhes foram proporcionadas pelo crédito de César.

Os séquanos perderam a sua supremacia; os Remi ocuparam o seu lugar; e como se via que o seu favor junto de César era igual, os povos que velhas inimizades impediam em absoluto de se unirem aos éduos, enfileiravam na clientela dos remos. Estes protegiam-nos com zelo; conservavam assim uma autoridade que era tão recente quanto súbita.

A situação era então a seguinte: o primeiro lugar, e de longe, aos éduos; o segundo, aos remos.

XIII – No conjunto da Gália existem duas classes de homens que contam e são considerados; porque para o baixo povo não há mais que a categoria de escravo, nada ousando por si mesmo e sobre nada sendo consultado.

A maior parte, quando se vêem sobrecarregados de dívidas, esmagados por impostos, expostos às violências de gente mais poderosa, põem-se ao serviço dos nobres, que têm sobre eles os mesmos direitos que os senhores sobre os escravos.

Daquelas duas classes, uma é a dos druidas, a outra, a dos cavaleiros. Os primeiros ocupam-se das coisas divinas, presidem aos sacrifícios públicos e privados, regem as práticas religiosas. Grande número de adolescentes vem instruir-se junto deles, e eles são objecto de grande veneração. São quem decide de quase todas as querelas públicas e privadas e, se foi cometido algum crime, se houve assassínio, no caso de travar-se uma discussão a propósito de herança ou de estremas, são eles que resolvem, que fixam os danos e as penas (os danos a compensar e o preço do sangue a pagar); se um particular ou um Estado não se conforma com a sua decisão, eles proíbem-lhe os sacrifícios. Esta pena é entre eles a mais grave de todas. Aqueles contra os quais é pronunciada esta interdição são postos entre os ímpios e os criminosos, afastam-se deles, fogem do seu contacto e do seu convívio, temendo apanhar com o seu contacto um mal funesto; não são aceites para pedir justiça e não tomam parte em nenhuma honra. Todos estes druidas são comandados por um chefe único, que exerce entre eles a autoridade suprema. Aquando da sua morte, se um entre eles se eleva por mérito, sucede-lhe; se vários têm títulos iguais, o sufrágio dos druidas elege entre eles; por vezes chegam mesmo a conquistar o principado de arma na mão. Numa determinada época do ano, têm as suas sessões num local sagrado, no país dos Carnutes, que passa por estar no centro de toda a Gália. Para ali partem de todos os lados todos aqueles que têm diferendos, e submetem-se aos seus juízos e às suas decisões. A sua doutrina teve nascimento, assim se diz, na Bretanha, e de lá foi transportada para a Gália; e, ainda hoje, os que dela querem ter um conhecimento mais minucioso para lá partem a instruírem-se.

XIV – Os druidas não têm o costume de ir à guerra nem o de pagar impostos, diversamente do que acontece com o resto dos gauleses. Impelidos por tão grandes vantagens, muitos vêm espontaneamente seguir o seu ensino, muitos lhes são enviados pelos pais e próximos. Ali aprendem de cor, segundo se diz, um grande número de verso; alguns frequentam assim a sua escola durante vinte anos. Eles consideram que a religião proíbe que se confie estes cursos à escrita, ainda que para o restante, em geral, e para as contas públicas e privadas, se sirvam do alfabeto grego.

O que principalmente procuram persuadir é que as almas não morrem, mas passam, após a morte, de um corpo para outro; esta crença parece-lhes particularmente própria para excitar a coragem, ao suprimir o temor pela morte. Também discutem abundantemente sobre os astros e o seu movimento, sobre a grandeza do mundo e da terra, sobre a natureza das coisas, sobre a força e o poder dos deuses imortais, e transmitem estas especulações à juventude.

XV – A outra classe é a dos cavaleiros. Quando há necessidade e sobrevém alguma guerra (e antes da chegada de César quase não se passava um ano sem que houvesse alguma guerra ofensiva ou defensiva (que grande “lata” a de César!)), todos tomam parte nela; e cada um deles, segundo o seu nascimento ou a amplitude dos seus recursos, tem junto de si um maior ou menor número de ambactie de clientes, É o único sinal de crédito e de poder que conhecem.

XVI – A nação dos gauleses é no seu conjunto muito dada às práticas religiosas e eis porque aqueles que são atingidos por doenças graves, aqueles que vivem nos combates e nos seus perigos, imolam ou fazem votos de imolar seres humanos à guisa de vítimas. Servem-se para estes sacrifícios do ministério dos druidas; pensam, efectivamente, que é apenas resgatando a vida de um homem pela vida de outro homem que a força dos deuses imortais pode ser apaziguada. Têm sacrifícios deste género que são instituição pública. Alguns fazem manequins de um tamanho enorme, com a carapaça em vime entrançado, que enchem com homens vivos; deita-se-lhes fogo e os homens perecem envoltos pela chama. Os suplícios daqueles que são presos em flagrante delito de roubo ou de banditismo ou por qualquer outro crime passam por agradar mais aos deuses imortais; mas quando não têm suficientes vítimas deste género chegam mesmo a sacrificar inocentes.

XVII – O deus que mais honram é Mercúrio. As suas estátuas são as mais numerosas. Vêem-no como o inventor de todas as artes, como o guia dos viajantes nas estradas, como o mais capaz de fazer ganhar dinheiro e prosperar o comércio. Depois dele adoram Apolo, Marte (Ésus), Júpiter (Téranis) e Minerva. Têm destas divindades mais ou menos a mesma ideia que as outras nações: Apolo expulsa as doenças; Minerva ensina os fundamentos dos trabalhos e das profissões; Júpiter exerce o seu império sobre os hóspedes dos céus; Marte governa as guerras.

Quando resolvem travar batalha, fazem em geral voto de lhe dar o que tomarem na guerra; depois da vitória, imolam-lhe o saque vivo e amontoam o restante num só lugar. Em muitos Estados pode ver-se, em locais consagrados, cabeços erguidos com estes despojos. Nunca aconteceu que um homem ousasse, com desprezo pela religião, esconder em sua casa o seu saque ou tocar nestes depósitos: tal crime é punido com o mais cruel suplício, por meio de torturas.

XVIII – Todos os gauleses pretendem vir de Dis Pater (=Plutão; César chama assim a uma grande divindade gaulesa, talvez a Teutates): é uma tradição que dizem conservar dos druidas. É por esta razão que medem o tempo pelo número das noites, e não pelo dos dias. Calculam as datas de nascimento e os inícios dos meses e dos anos começando a jornada pela noite.

Nos outros hábitos de vida, diferem principalmente dos outros povos por um costume particular, que consiste em não permitir aos seus filhos que os abordem em público antes da idade em que estão aptos para o serviço militar, e é uma vergonha para eles que um filho de pouca idade ocupe lugar num local público diante dos olhos do pai.

XIX – Os maridos põem em comum, com a quantia em dinheiro que recebem como dote das suas mulheres, uma parte dos seus bens igual – feita a avaliação – a este dote. Faz-se com este capital uma conta conjunta e põem-se de parte os juros; dos dois esposos, aquele que sobreviver recebe a parte dos dois com os juros acumulados.

Os maridos têm direito de vida e de morte sobre as suas mulheres, tal como o têm sobre os seus filhos.

Quando um pai de ilustre família vem a morrer, os seus mais chegados reúnem-se e, se a morte faz nascer entre eles alguma suspeita, as mulheres sofrem tratos como os escravos; se o crime é provado, elas são entregues ao fogo e aos mais cruéis tormentos e suplícios.

Os funerais são magníficos e sumptuosos; tudo aquilo que se pensa haver sido querido do defunto durante a vida é levado à fogueira, mesmo os animais; ainda há pouco tempo, eram queimados com ele os escravos e os clientes que lhe tinham sido queridos.

XX – Os Estados que passam por ser os melhores administrados têm leis a prescrever que quem quer que seja que haja de um país vizinho notícias de interesse para os negócios públicos há-de dá-las a conhecer ao magistrado sem delas dar parte a quaisquer outros; a experiência ensinou-lhes que muitas vezes os homens imprudentes e ignorantes se assustam com falsos rumores, praticam em consequência excessos e tomam as mais danosas resoluções.

Os magistrados escondem o que bem entendem e só confiam a multidão o que consideram útil dizer-lhe.

Só é permitido falar dos negócios públicos em assembleia.

XXI – Os costumes dos Germanos são muito diferentes. Não têm druidas que presidam ao culto dos deuses nem qualquer gosto pelos sacrifícios. Não põem na lista dos deuses senão aqueles que vêem(já Tácito tem opinião diferente, dizendo que também adoravam Mercúrio, Marte e Hércules; “Germ.”; IX, 1) e dos quais sentem manifestamente os benefícios: o Sol, Vulcano, a Lua; nem sequer ouviram falar dos outros.

Toda a sua vida se passa em caçadas e exercícios militares; desde a infância habituam-se à fadiga e à dureza. Aqueles que conservaram mais tempo a sua virgindade são muito considerados pelos que os rodeiam; pensam que se tornam assim mais altos, mais fortes, mais musculados.

Entre eles uma das maiores vergonhas é conhecer mulher antes dos vinte anos, mas, de resto, não se faz mistério destas coisas, pois que têm banhos mistos nos rios e os vestuários que usam são peles ou curtos saios, que deixam a nu grande parte do corpo.

XXII – Não têm gosto algum pela agricultura; a sua alimentação consiste, em grande parte, em leite, queijo e carne. Ninguém entre eles tem campos limitados nem domínio que propriamente lhe pertença; porém, a cada ano, os magistrados e os chefes concedem às famílias e aos grupos de parentes que vivem juntos terras na quantidade e no local que julguem conveniente; no ano seguinte obrigam-nos a passar para outro lado...para que não pensem em alongar as suas possessões e para que não se veja os mais fortes despojarem os mais fracos...querem conter o povo pelo sentimento da igualdade, vendo-se cada um igual, em fortuna, aos mais poderosos (e porque, com a sua agricultura primitiva, eram forçados a deixar as terras em pousio).

XXIII – Eles tomam como próprio símbolo da virtude guerreira fazer com que os seus vizinhos partam, expulsando-os dos campos, e impedem quem quer que seja de ter a audácia de se estabelecer perto deles; nisso vêem ao mesmo tempo uma garantia de segurança, pois que já não têm a temer uma incursão súbita.

Quando um Estado faz guerra, quer defensiva quer ofensiva, escolhem para a dirigir magistrados que têm direito de vida e de morte (sobre os restantes).

Em tempo de paz, não há magistrado comum, mas os chefes das regiões e dos pequenos países administram a justiça e cada um deles organiza os processos entre os seus.

Os roubos nada têm de desonrante quando cometidos fora das fronteiras de cada Estado; pretendem que é um meio para exercitar a juventude e combater a ociosidade. Quando um chefe, numa assembleia, se propõe dirigir uma empresa e pergunta quem o quer seguir, aqueles a que agradem a expedição e o homem levantam-se e prometem-lhe o seu concurso, com o aplauso da multidão; os que depois se esquivem vêem daí em diante toda a confiança ser-lhes recusada.

A violação da hospitalidade é tida por sacrilégio; os que por uma qualquer razão vão às suas casas são protegidos contra toda a violência e considerados como sagrados; todas as casas lhes estão abertas; com eles se partilham os víveres.

XXIV – Houve um tempo em que os gauleses levavam a guerra ao território dos germanos, enviavam colónias para lá do Reno (Segundo Tito Lívio, Sigovesus seria “contemporâneo” de Tarquínio Prisco), pois que eram numerosos e lhes faltavam terras. Foi assim que as regiões mais férteis da Germânia, nas proximidades da floresta Hercynia (da qual Eratóstenes e certos autores gregos já haviam ouvido falar), foram ocupadas pelos volcas tectósagos, que ali se fixaram. Este povo por lá se manteve até este dia e tem a maior reputação de justiça e de glória guerreira.

Nota: a Hercynia silva ia desde a Floresta Negra (Alemanha) aos Cárpatos; estas «regiões mais férteis da Germânia», de que César fala, correspondem à Boémia ocidental, na actual República Checa. Ignora-se se os Volcae Tectosages da Boémia ocidental eram uma colónia dos Volcae do Languedoc, como diz César, ou se representavam um “resíduo” dos volcas, vindos em época incerta da Germânia para a Gália.

Ainda hoje os germanos vivem na mesma pobreza; e têm o mesmo género de alimentação e de vestuário. Os gauleses, pelo contrário, graças à vizinhança da Provincia e às importações do comércio marítimo, aprenderam a usufruir de uma vida mais liberal e fácil; acostumados a pouco e pouco a deixarem-se bater, vencidos em numerosos combates, já nem eles próprios se comparam aos germanos pelo valor.

XXV – A largura desta Hercynia silva é de nove jornadas de marcha para um viajante ligeiramente equipado. Começa nas fronteiras dos helvécios, dos németes e dos ráuracos e estende-se ao longo doDanubius até ao país dos Daci (ocupavam uma grande parte da actual Roménia) e dos Anartes(norte da Dácia; na Roménia); dali vira à esquerda (para norte), afastando-se do rio. Não há germano algum desta região (a da floresta Hercynia) que depois de 60 dias de marcha possa dizer que lhe atingiu o fim, nem saber em que lugar ela começa. Garante-se que encerra muitas espécies de animais selvagens que não se vêem noutros lados.

XXVI – O momento “maravilhoso” de César: o boi-veado com corno único no meio da testa, entre as orelhas, ou seja à altura das orelhas; no cimo o corno espalma-se e ramifica-se; macho e fêmea são do mesmo tipo; cornos da mesma forma e da mesma grandeza. Portanto, temos o unicórnio e a unicórnia.

XXVII – Continuação das “maravilhas”: os alces, com forma e pelagem parecidas com as cabras; um pouco maiores, de chifres truncados e pernas sem articulações e sem nós (joelhos); não se podem deitar para dormir; se caem, já não se levantam mais; dormem apoiados nas árvores. Os caçadores, quando lhes descobrem o “quarto de dormir”, desenraízam ou serram todas as árvores do local, mas de maneira a que tenham o ar de estar ainda de pé; os animais ao apoiarem-se nelas fazem-nas vergar com o seu peso e caem com elas.

XXVIII – O urus (boi selvagem; espécie de búfalo), pelo tamanho, estão um pouco abaixo dos elefantes; com o aspecto, a cor e a forma do touro. A sua força é grande e grande é a sua velocidade: não poupam o homem nem o animal que avistarem. Para os apanharem, usam fossos.

Os que mataram destes animais trazem os cornos (dos animais) a público para provar a sua façanha; e recebem grandes elogios.

Não é possível habituar o urus ao homem nem domesticá-lo, mesmo apanhando-o ainda pequeno.

Os seus cornos diferem muito pela grandeza, pela forma e pelo aspecto dos cornos dos nossos bois; são muito procurados; rodeiam-lhes os bordos com prata e servem-se deles nos grandes festins como taças.

XXIX – César decidiu não ir mais longe. Depois de ter reconduzido as suas tropas à margem gaulesa do Reno, mandou derrubar, num comprimento de 200 pés, a parte da ponte que tocava na margem dos úbios; e construiu na extremidade da ponte uma torre de quatro andares, deixando para a defender uma guarda de doze coortes; fortificou esta posição com grandes entrincheiramentos. O comando foi confiado ao jovem Caio Volcácio Tulo (filho do cônsul de 66 e pai do cônsul de 33).

Como as searas começavam a amadurecer, César parte a fazer a guerra a Ambiórige, através daArduenna silva, a maior floresta de toda a Gália, que se estende das margens do Reno e do país dos tréveros aos nérvios (grosso modo, todo o sul e leste da actual Bélgica), num comprimento de mais de 500 milhas.

Envia à frente Lúcio Minúcio Básilo (filho de Sátrio e filho adoptivo do rico Minúcio Básilo; pretor em 45; participa na conspiração contra César; morre poucos meses depois assassinado pelos seus escravos) com toda a cavalaria, para ver se poderia tirar vantagem de uma marcha rápida ou de alguma oportunidade favorável; recomenda-lhe que proíba as fogueiras no campo, para não assinalar ao longe a sua aproximação, e declara-lhe que o segue de perto.

XXX – Básilo, com uma marcha tão rápida quanto inesperada, apanha grande número de inimigos que trabalhavam sem desconfiança nos campos; pelas indicações que estes lhe dão, com alguns cavaleiros, segue direito ao local aonde se dizia estar Ambiorix, caindo sobre ele sem que estivesse prevenido.

A casa do gaulês estava rodeada por bosques (como estão quase sempre as casas dos gauleses, que, para evitarem o calor, procuram habitualmente a vizinhança das florestas e dos rios) e os seus companheiros e amigos puderam aguentar durante algum tempo, num caminho estreito, o confronto com os nossos cavaleiros. Durante o combate, um dos seus levou-o a cavalo, e os bosques protegeram-lhe a fuga.

XXXI – Ambiórige não reuniu as suas tropas; enviou mensagens ordenando que cada um providenciasse à sua segurança. Parte deles refugiou-se na floresta das Ardenas, outros numa região de pântanos contínuos; os que estavam mais perto do Oceano esconderam-se nas ilhas que as marés formam (perto de Antuérpia); muitos, abandonando o seu país, confiaram-se, corpo e bens, a regiões completamente estrangeiras.

Catuvolco, rei de metade dos eburões, acabrunhado pela idade, incapaz de suportar as fadigas da guerra ou da fuga, envenenou-se com o teixo, árvore muito espalhada na Gália e na Germânia.

XXXII – Os segnos (Segni, pequeno povo belga cliente dos tréveros; alto vale do rio Ourthe e arredores de Givet) e os condrusos, povos de raça “germânica” e contados entre os germanos, que habitam entre os eburões e os tréveros, enviam deputados a César, protestando que não haviam pensado na guerra nem enviado qualquer socorro a Ambiórige. César ordenou-lhes que lhe trouxessem os eburões que se houvessem refugiado entre eles, prometendo que, se o fizessem, não violaria o seu país.

Depois distribuiu as suas tropas por três corpos e reuniu as bagagens de todas as legiões emAduatuca. É o nome de uma fortaleza situada quase no meio do país dos eburões, onde Titúrio e Aurunculeio haviam erguido os seus quartéis de Inverno. Os entrincheiramentos do ano anterior estavam ainda intactos, o que aligeirou o trabalho dos soldados.

A XIV legião, uma das três que recrutara havia pouco na Itália, ficou de guarda às bagagens, com 200 cavaleiros e Quinto Túlio Cícero no comando.

XXXIII – Labieno partiu com três legiões para o Oceano, à região dos menápios; Caio Trebónio, com outras três, foi devastar a região (dos eburões) que é contígua ao território dos aduátucos; César, também com três legiões, dirigiu-se para o Scaldis (o erro de César, que faz dele um afluente do Mosa, deve-se ao facto de os dois rios comunicarem então ao chegarem à foz; no século XVI isso ainda acontecia), curso de água que se lança no Mosa, e para a extremidade das Ardenas, onde lhe diziam que Ambiórige se havia refugiado com alguns cavaleiros.

Ao partir, garante que estará de regresso dentro de sete dias; recomenda a Labieno e a Trebónio que voltem nesse mesmo data, se o puderem fazer sem inconveniente.

XXXIV – Não havia ali (no país dos eburões) tropa alguma regular nem praça-forte, nem guarnição em estado de se defender; mas havia por todos os lados uma multidão dispersa; em toda a parte onde um vale coberto, um lugar arborizado, um pântano inextricável oferecia alguma esperança de salvação, ali se tinham acachapado.

Grande diligência era necessária, não para proteger o conjunto do exército (porque reunido nada podia recear de gente aterrorizada e dispersa), mas para defender cada soldado isoladamente; efectivamente, o engodo do saque arrastava muitos para bastante longe, e as florestas, com os seus carteiros incertos e invisíveis, impediam-nos de marchar como tropa (em formação de combate).

Se queríamos destruir e acabar com aquela raça de bandidos, era preciso dividir o exército em numerosos destacamentos; pretendendo conservar os manípulos junto das suas insígnias, segundo a regra estabelecida e em uso no exército romano, a própria natureza do local protegia os bárbaros, e não lhes faltava audácia para armar emboscadas ou envolver os nossos soldados dispersos. Em circunstâncias tão difíceis agia-se com toda a prudência possível, preferindo mesmo deixar escapar alguma oportunidade de causar dano ao inimigo, de modo a evitar perdas entre os soldados.

Então César envia mensageiros aos Estados vizinhos: atrai-os a si pela esperança do saque, convida-os a todos a pilhar os eburões, gostando mais de arriscar nos bosques a vida dos gauleses do que a dos legionários e querendo, com esta imensa invasão, aniquilar a raça e o nome deste Estado. Acorre um grande número de gauleses, vindos de todos os lados.

XXXV – Enquanto estes acontecimentos se desenrolavam em todos os pontos do país dos eburões aproximava-se o sétimo dia, data em que César resolvera regressar para junto das bagagens e da legião (que as guardava).

Chegara a notícia além do Reno, ao território dos germanos, de que estavam a pilhar os eburões e de que todos são convidados para o saque. Os sugambros, que são vizinhos do Reno, reúnem 2.000 cavaleiros que atravessam o rio em barcas e em jangadas, a trinta mil passos abaixo do lugar onde César fizera a ponte e deixara guarda; entram pelas fronteiras dos eburões, apanham uma multidão de fugitivos dispersos e apoderam-se de numeroso gado.

O engodo do saque arrasta-os mais longe; alimentados no seio da guerra e do banditismo, não são detidos pelos pântanos nem pelos bosques; perguntam aos prisioneiros aonde está César e ficam a saber que partiu para longe e que todo o exército está com ele; um dos cativos diz-lhes: «Para quê perseguir a presa miserável e insignificante quando uma magnífica fortuna se lhes oferece? Em três horas podem chegar a Aduatuca: o exército dos romanos amontoou ali todas as suas riquezas; a guarnição é tão fraca que não bastaria para defender toda a muralha, e nem um legionário se atreveria a sair dos entrincheiramentos.

Os germanos deixam o saque num esconderijo e marcham sobre Aduatuca, guiados pelo mesmo homem que lhes dera aquelas indicações.

XXXVI – Cícero, em todos os dias anteriores, seguindo as instruções de César, retivera com o maior cuidado os seus soldados no campo, não permitindo a saída nem sequer aos serventes. Mas ao sétimo dia, já não esperando a chegada de César, pois ouvia dizer que se internara ainda para mais longe, e porque não lhe anunciavam o seu regresso, persuadido de que nada tinha a recear num raio de três milhas, envia cinco coortes ao trigo nos campos mais próximos, que apenas uma colina (a de Tongres/Tongeren) separava do acampamento.

Havia no campo muitos doentes deixados pelas legiões; cerca de trezentos, que entretanto se haviam curado, são enviados sob as mesmas insígnias das coortes; além disso, uma multidão de serventes recebe autorização para os seguir, com muitos animais de carga, que tinham ficado no campo.

XXXVII – Justamente neste momento, por acaso, aparecem os cavaleiros germanos e imediatamente, sem abrandarem a corrida, tentam penetrar no campo pela porta decumana: os bosques que escondiam a vista deste lado impediram que fossem vistos antes de estarem já muito perto, de tal modo que os mercadores, que tinham as suas tendas na muralha, não tiveram tempo de fugir.

Os nossos, surpreendidos, perdem a cabeça, e a coorte de guarda aguenta com dificuldade o primeiro embate. Os inimigos espalham-se a toda a volta, procurando encontrar um acesso. Os soldados têm grande dificuldade em defender as portas. Todo o campo enlouquece; interrogam-se uns aos outros sobre a causa do tumulto; não se cuida em dizer para onde é preciso levar as insígnias nem para que lado cada um tem de se dirigir. Um anuncia que o campo já está tomado; outro pretende que o exército e o general em chefe foram exterminados e que os bárbaros vieram como vencedores; a maior parte tem sobre a natureza do local ideias supersticiosas e pensam no desastre de Cota e de Titúrio, que sucumbiram ali. No meio do terror que espanta toda a gente, os bárbaros julgam confirmada a afirmação do prisioneiro de que o interior da praça está desguarnecido; e tentam entrar, exortando-se uns aos outros a não deixar fugir tão bela oportunidade.

XXXVIII – Entre os doentes deixados na praça estava Públio Sêxtio Báculo; havia cinco dias que não tomava alimento; inquieto, avança sem armas para fora da tenda; vê a ameaça e o perigo extremo da situação, empunha as armas do primeiro soldado que encontra e coloca-se junto da porta decumana; os centuriões da coorte de guarda seguem-no e, todos juntos, aguentam por instantes o combate. Sêxtio, cheio de ferimentos, desmaia; não sem dificuldade, salvam-no, passando-o de mão em mão. Entretanto os outros recompõem-se o suficiente para ousarem aparecer nos entrincheiramentos.

XXXIX – Havendo já feito provisão de trigo, as cinco coortes ouvem distintamente o clamor vindo do campo; os cavaleiros (em número de duzentos) tomam a dianteira e dão-se conta da gravidade do perigo.

Aos soldados, não há entrincheiramento que possa servir de abrigo ao seu terror; recrutados recentemente (há cinco meses), sem experiência de guerra, voltam os olhos para o tribuno militar e os centuriões, esperando as suas ordens.

Os bárbaros, avistando ao longe as insígnias, fazem cessar o ataque ao campo; começam por pensar que são as legiões que regressam; mas não tarda que, cheios de desprezo por tão pequena força, carreguem sobre ela de todos os lados.

XL – Os serventes correm para a colina mais próxima. Bem depressa desalojados desta posição, lançam-se para as fileiras das insígnias e das coortes e aumentam o terror dos soldados assustados. Uns propõem fazer a cunha para abrir rapidamente passagem, uma vez que o acampamento está tão perto; se uma parte entre eles é envolvida e tomba, o resto pelo menos, pensam eles, pode salvar-se; outros querem que se fique na colina e que todos suportem a mesma sorte. Isto não teve a aprovação dos veteranos (os “ex doentes”); assim, depois de se exortarem entre si, guiados por Caio Trebónio, cavaleiro romano, abrem passagem mesmo pelo meio dos inimigos e chegam ao campo. Os serventes e os cavaleiros que foram atrás deles também se salvam.

Aqueles que ficaram na colina, sem terem ainda experiência alguma da arte militar, não souberam persistir na intenção de se defenderem que haviam aprovado, nem imitar o vigor e a rapidez que viram ser tão proveitosa aos outros. Ao tentarem recuar para o campo, meteram-se num local baixo e desfavorável. Os centuriões, de que alguns tinham merecido pelo seu valor serem tirados das coortes inferiores das outras legiões para serem elevados às primeiras coortes desta, não querendo perder a glória guerreira que haviam adquirido, preferiram com extrema bravura morrer combatendo. Uma parte dos soldados, aproveitando a valentia dos seus chefes, que afastara um pouco os inimigos, chegou sem perda ao acampamento; a outra foi envolvida pelos bárbaros e pereceu.

XLI – Os germanos, vendo que não lhes era possível tomar o campo, retiram para além do Reno com o saque que haviam escondido.

XLII – No seu regresso (atrasado), César, que não ignorava os acasos da guerra, lamentou apenas que houvessem tirado às coortes o seu posto e a sua guarda, quando não se deve dar lugar ao menor imprevisto (numa carta dirigida ao próprio Cícero, César mostra-se mais severo e acusa Quinto de haver tido falta de prudência e de diligência: «neque pro cauto de diligente se castris continuit»); considerou aliás que a fortuna tivera grande quinhão na súbita chegada dos inimigos.

XLIII – César, voltando a partir para punir o inimigo, reúne grande número de tropas dos Estados vizinhos e envia-as para a todos os pontos. Todas as aldeias e todas as construções que cada um avistasse eram queimadas; por toda a parte se fazia saque; os cereais não só eram consumidos por toda esta multidão de animais, de cavalos e de homens, como tinham ainda sido derrubados pela estação avançada e pelas chuvas; de tal modo que parecia que mesmo aqueles que na altura se haviam escondido, no entanto, após da partida do exército, teriam de sucumbir a uma total penúria.

XLIV – Depois de assim ter devastado estas regiões, César reconduziu a Durocórtoro dos Remi o seu exército, diminuído em duas coortes.

Tendo convocado neste local a assembleia da Gália, decide ali informar sobre a conjura dos sénones e dos carnutos. Acão, que fora o instigador da conspiração, foi condenado à morte e supliciado segundo o costume dos antigos (atado a um poste, açoitado por varas, depois decapitado). Alguns, temendo a mesma condenação, puseram-se em fuga.

Depois de lhes proibir que se guerreassem, César colocou duas legiões em quartéis de Inverno nas fronteiras dos tréveros, duas nos língones, outras seis no país dos sénones, em Agendicum.

Havendo abastecido de trigo o seu exército, partiu, de acordo com o seu hábito, para tomar em Itália as suas deliberações.