Ano Terceiro

Que foi ano do nascimento de Nosso Senhor Jesu-Christo de mil e trezentos cinquenta e dois, e da Era de César, segundo o costume de Espanha, de mil trezentos e noventa, e da Criação do mundo, segundo a conta dos Hebreus, cinco mil cento e doze, e dos Árabes, em que Mahomad começou a sua seita, setecentos e cinquenta e quatro.

1. COMO ELREI DOM PEDRO CHEGOU A AGUILAR, ONDE ESTAVA DOM ALFONSO FERRANDEZ CORONEL, E O QUE AÍ ACONTECEU.

ElRei Dom Pedro chegou à cidade de Córdoba e, de seguida, foi para Aguilar, e achou na dita vila Dom Alfonso Ferrandez Coronel e Dom Juan de la Cerda, seu genro. E elRei enviou então peça de gentes e homens de armas com o seu pendão à dita vila, e mandou com eles a Gutier Ferrandez de Toledo, seu Camareiro-mor, e Sancho Sanchez de Rojas (1), seu Besteiro-mor, para falar com Dom Alfonso Ferrandez e saber dele se o acolheria na vila de Aguilar.

E eles foram e requereram a Dom Alfonso Ferrandez que acolhesse elRei, e ele disse e respondeu, aos que tal requerimento lhe fizeram, que via ali Dom Juan Alfonso, Senhor de Alburquerque, que tinha grande poder e grande privança com elRei, do qual se temia muito, e que por isto não o ousava acolher. E também para pôr alguma cor à sua escusa do medo e temor que tinha, juntou algumas outras razões, dizendo que elRei lhe dera aquela vila com mero e misto império e com tantas liberdades que, segundo o privilégio que havia, não era teúdo de o acolher da maneira que ele vinha. Porém a razão mais certa em que se firmava era o grande medo que havia de Dom Juan Alfonso, e que aquele medo o fizera a ele desconfiar.

 

Nota 1. Impressas, «Sancho Ferrandez de Roxas». E. Anteriormente, no texto da Crónica, refere-se Gutier Fernandez de Toledo como Guarda-mor. E. H.

 

2. COMO SE PASSOU O FEITO DE DOM ALFONSO FERRANDEZ CORONEL, E COMO ELREI DEU OS SEUS BENS.

Os Cavaleiros que levavam o pendão delRei, depois que souberam a resposta que dera Dom Alfonso Ferrandez, por a qual lhes pareceu que não acolheria elRei, foram à porta da vila de Aguilar com os homens de armas que consigo estavam e pelejaram nas barreiras, chegando o pendão delRei à porta da dita vila, e ia esse dia com o pendão Dia Gomez de Toledo, que era caudilho dos Escudeiros do corpo delRei. E depois tornaram-se para elRei, dizendo que o seu pendão era roto das pedras e setas que atiravam da vila de Aguilar, e que o dito Dom Alfonso Ferrandez não o queria acolher, pondo as suas escusas.

E logo esse dia alguns amigos de Dom Alfonso Ferrandez lhe disseram que não havia bom siso em se alçar contra elRei, seu Senhor, e que não poderia levar avante tal coisa, e que fosse certo que, se logo não acolhesse ou não catasse alguma boa preitesia com elRei, este entendia de passar sentença contra ele e contra os seus bens. E ainda outros dos seus amigos – de Dom Alfonso Ferrandez – tratavam com elRei, a fim de que ele entregasse ao Rei as fortalezas que havia no Reino de Castela, e que elRei então o mandaria pôr a salvo noutro Reino, qual ele quisesse, a si e a Dom Juan de la Cerda, seu genro, e aos que com ele quisessem ir, e que depois se trataria maneira em como elRei lhe perdoasse e lhe tornasse o seu.

Mas Dom Alfonso Ferrandez, tão grande era o medo que havia de Dom Juan Alfonso de Alburquerque, não quis fazer esta preitesia. E os Cavaleiros seus amigos disseram-lhe o que lhe poderia vir de dano e de mal se nisto quisesse porfiar, e Dom Alfonso Ferrandez respondeu-lhes que elRei poderia fazer o que a sua mercê fosse, mas que tudo isto ele fazia por medo e temor de Dom Juan Alfonso, Senhor de Alburquerque – que ali era e trazia o Rei em seu poder – de quem ele se temia de morte.

E elRei, logo esse dia, desde que viu tornados a Gutier Ferrandez de Toledo e Sancho Sanchez de Rojas – os quais havia enviado com o seu pendão a fazer o requerimento a Dom Alfonso Ferrandez – e viu o seu pendão roto das pedras, passou sentença contra Dom Alfonso Ferrandez e confiscou todos os seus bens, e depois repartiu-os segundo adiante diremos.

E partiu elRei então de Aguilar e deixou Dom Juan Nuñez de Prado, Mestre de Calatrava, e Men Rodriguez de Biedma, caudilho do Bispado de Jaen, e outros Cavaleiros de Castela e de Córdoba por fronteiros de Aguilar, em lugares cerca daí, e tornou-se para Castela.

 

3. COMO ELREI TOMOU OS CASTELOS DE DOM ALFONSO FERRANDEZ CORONEL.

ElRei Dom Pedro, depois que deixou postos os seus fronteiros na comarca cerca de Aguilar contra Dom Alfonso Ferrandez Coronel, veio-se para Castela, porquanto sabia que o Conde Dom Enrique fazia abastecer as suas fortalezas nas Astúrias.

E no caminho veio pelas terras onde eram os castelos de Montalvan, de Burguillos, de Capilla e Torija, que eram de Dom Alfonso Ferrandez Coronel, e tomou-os, que logo lhos deram. E tinha a Montalvan um Escudeiro que diziam Arias Gonzalez Quexada, e a Capilla um outro que diziam Suer Alfonso de Mallean, que era Asturiano, e deram-nos ao Rei. E o castelo de Burguillos conservou-se por algum tempo, e tinha-o um Escudeiro, criado por Dom Alfonso Ferrandez Coronel, que diziam Juan Ferrandez de Cañedo (1), no entanto depois o cobrou elRei – mandando-o cercar e fazendo-lhe pôr bastidas – e foi preso o dito Alcaide e cortaram-lhe as mãos, e desde que que ficou são das chagas das mãos foi-se para Aguilar, quando elRei a cercou outra vez, segundo adiante diremos, pedindo-lhe por mercê que o mandasse pôr dentro da vila para que ali pudesse morrer com o seu Senhor, Dom Alfonso Ferrandez, e elRei assim o mandou.

E depois que elRei (2) partiu do cerco da vila de Aguilar para ir a Castela, logo Dom Juan de la Cerda, genro de Dom Alfonso Ferrandez, saiu de Aguilar, passou ao Reino de Granada e daí se foi para além-mar, a fim de ver se acharia algum esforço nos Mouros para acorrer a Dom Alfonso Ferrandez Coronel, seu sogro, mas não o achou, apesar de que esteve muito tempo lá. E ali se viu numa peleja que elRei Abulhacen houve com elRei Aboanen, seu filho, e foi vencido o pai, sendo Dom Juan da parte do filho, e foi aquele dia mui bom Cavaleiro nessa peleja, e mui louvado. E depois se veio para Portugal, segundo adiante diremos.

 

Nota 1. Abreviada, «Amendo». Impressa, «Cavedo». E.

Nota 2. «E depois que elRei». Não estão estas palavras no de mão. Z. Um dos supostos contendedores referidos no penúltimo parágrafo, «Abulhacen», em 1352 já não era vivo. E. H.

 

4. COMO DON TELLO SE FOI PARA MONTAGUDO E ROUBOU A RÉCUA DE BURGOS EM ARANDA.

Quando elRei Dom Pedro partiu de Aguilar, segundo que dito havemos, e se vinha para Castela, Dom Tello, seu irmão, filho delRei Dom Alfonso e de Dona Leonor de Guzman, estava na vila de Aranda de Duero, que era sua, e, quando soube que elRei vinha, houve grande medo dele. E estava consigo Pero Ruiz de Villegas, seu Mordomo-mor, e partiram de Aranda e roubaram a récua que vinha de Burgos e ia para a feira de Alcalá de Henares, na qual tomaram grande haver. E Dom Tello foi-se para Montagudo, que era sua e é fronteira com o Reino de Aragão, e depois contaremos o que foi feito dele.

 

5. COMO ELREI CERCOU GIJÓN, NAS ASTÚRIAS, E DE OUTRAS COISAS QUE SE PASSARAM.

Porquanto elRei soube novas que o Conde Dom Enrique era nas Astúrias e abastecia Gijón, foi-se para lá (1) e cercou a vila, e estava aí a Condessa Dona Juana, mulher do Conde Dom Enrique, e estavam peça de Cavaleiros com ela.

E era esta Condessa Dona Juana filha de Dom Juan – filho do Infante Dom Manuel Manuel – e de Dona Blanca (2), irmã de Dom Juan Nuñez de Lara, Senhor de Vizcaya, segundo havemos já contado.

E o Conde não se atreveu a atender elRei em Gijón e pôs-se, nas Astúrias, numa montanha mui forte que dizem Monteyo, e ali esteve enquanto elRei teve o seu arraial sobre Gijón. E dava o Conde por soldo aos que com ele andavam jóias mui nobres de pedras e aljôfar que lhe dera em Sevilla sua mãe, Dona Leonor, quando estava presa, porquanto não tinha dinheiros. E elRei esteve alguns dias sobre Gijón e depois partiu dali com a seguinte preitesia, os Cavaleiros do Conde – que ali estavam em Gijón – fizeram preito e homenagem ao Rei de que, ele perdoando ao Conde (3), não se fizesse guerra do dito lugar de Gijón nem das outras fortalezas que o Conde havia (4). E este preito fez Pero Carrillo, que estava em Gijón por maior, e eram aí – Cavaleiros – Pero Ferrandez Quexada, Furtado Diaz de Mendoza e outros Asturianos (5).

E neste tempo, indo elRei a Gijón, tomou Dona Maria de Padilla, que era uma donzela mui formosa e que andava na casa de Dona Isabel de Meneses – mulher de Dom Juan Alfonso de Alburquerque – que a criava, e trouxe-lha a Sant Fagund Juan Ferrandez de Henestrosa, seu tio, irmão de Dona Maria Gonzalez, sua mãe. E tudo isto foi por conselho de Dom Juan Alfonso de Alburquerque, segundo adiante diremos (6).

 

Nota 1. A 26 de Junho estava de volta das Astúrias, em Leão, onde concedeu à vila de Briones um privilégio que cita Gudiel, Compêndio dos Girones, fol. 68v. E.

Nota 2. Na Abreviada, «e de Dona Blanca, irmã de Dom Juan Nuñez de Lara, que foram filhos – o dito Dom Juan Nuñez, a dita Dona Blanca e outra, Dona Maria, que foi casada em França com o Conde de São Pol (é erro) e depois com o Conde de Alanzón, irmão delRei de França Dom Felipe – de Dom Ferrando de la Cerda e de Dona Juana de Lara. E o Conde não quis atender, ali em Gijón, e pôs-se nas Astúrias numa montanha mui forte que diziam Monteyo, e aí se defendeu. E dava o Conde soldo, aos que com ele eram, que lhe dera em Sevilla sua mãe, Dona Leonor, quando estava presa. Mas elRei esteve peça de dias…». Z.

Nota 3. Abreviada, «que, ele perdoando ao Conde, o Conde iria à sua mercê, e que não se fizesse guerra do dito lugar de…». Z.

Nota 4. Então outorgou o Conde Dom Enrique o seguinte instrumento: «Saibam quantos esta carta virem como eu, Dom Enrique, filho do mui nobre Rei Dom Alfon, Conde de Trastamara, de Lemos, de Sarria e Senhor de Noreña, de Cabrera e de Rivera, Por que vós, o mui alto e mui nobre e muito honrado Senhor Rei Dom Pedro de Castela, para me fazer bem, tivestes por bem de me outorgar as petições que vos enviei pedir, nomeadamente: que perdoastes, a mim e a todos os meus que comigo foram em fazer esta guerra, de todos os malefícios que tenhamos feito até aqui; e outrossim que mandastes dar e tornar-me, e à Condessa Dona Jhoana, minha mulher, todas as herdades (bens de raiz) que, depois que o dito Rei, meu pai, que Deus perdoe, finou, nos foram tomadas de então para cá, assim vilas, castelos, casas fortes e terras chãs; e nos mandastes desembargar a Orduña, Valmaseda, Sancta Olalla e Izcar; e outorgastes de fazer que Dona Leonor e Diego Perez Sarmiento, seu filho, nos fariam cartas de firmeza sobre isso, e teriam de vós por juro de heredat a Castañeda, em emenda do que aí haviam de haver por herança de Dom Ferrando, pai da dita Dona Leonor; e outrossim me quitastes (me fizestes quito, me restituístes), vós e a mui nobre Rainha minha senhora, vossa mãe, todo o móvel que eu havia de Dona Leonor, minha mãe; e outrossim outorgastes de fazer, a Dona Maria e Dona Inês, que me cumpram de direito em razão de Trigueros, Asueros e Rueda; e outrossim confirmastes todas as doações que o dito Rei, meu pai, me deu de quaisquer coisas, sem condição alguma; e outrossim outorgastes de me livrar, e mandar livrar, que tenha de vós em terra certa, para de cada ano, cento e oitenta mil maravedis em lugares certos; e outrossim que a vossa vontade foi, e outorgastes, que ao testamento de Dom Ferrando, meu irmão, o livrasse um letrado de Castela e outro de Portugal, e se estes letrados não se acordarem em comum a o livrar, que o livrásseis vós, para que eu houvesse cumprimento de direito; e outrossim porque outorgastes que rogaríeis e mandaríeis a Don Jhoan Alfon que à demanda que há contra mim sobre a herança que foi de Don Rodrigo Alvarez, por Dona Isabel, sua mulher, a ponha em mãos delRei de Portugal, para que isto livre entre nós; e outras mercês que me outorgastes, aquelas que vos enviei pedir…». Pellicer copia esta parte inicial da escritura no Informe da Casa dos Sarmiento de Villamayor, a fol. 26, sem dizer onde viu o original e mencionando tão-só: «É a data de Puebla de Gijón, a 26 de Junho, Era de 1390. Está firmada «Eu, o Conde», e tem o selo de cera pendente. As Armas são em mantel, dois leões em cima e um castelo em baixo, e, por orla, oito escaques de sinos e oito cabras». E.

Nota 5. Abreviada, «E este preito fez Pero Carrillo – e Pero Fernandez Quexada, Furtado Diaz de Mendoça e outros que aí estavam – ao Rei». Z.

Nota 6. Nas Crónicas impressas está, «e trouxe-lha a Sahagun Juan Fernandez de Hinestrosa…», quando na Abreviada se diz que a tomou elRei estando sobre Gijón, e muito mais se desvia desta opinião o Autor que compôs uma Abreviação da História geral e a continuou até à morte delRei Dom Juan o Segundo, que diz o seguinte: «elRei Dom Pedro foi à cidade de Leão, e à entrada…viu nos palácios de um Cavaleiro que se dizia Diego Ferrandez de Quiñones – um grande Cavaleiro da cidade – uma donzela, parente deste Cavaleiro, que se chamava Dona Maria de Padilla, a qual era a mais prendada donzela que por então se achava no mundo, e elRei quando a viu, como era mancebo de idade até dezassete anos, enamorou-se muito dela, e não pôde estar em si até que a teve e dormiu com ela. E tão grande foi o amor que com ela houve que não estimava a seus irmãos nem à Rainha Dona Maria, sua mãe, mulher do nobre Rei Dom Alonso, nem lhes fazia as honras e festas que antes lhes soía fazer, do qual todos houveram muito nojo e sentimento. Z. Parece que desde logo elRei lhe deu vassalos e senhorios, pois neste mesmo ano Dona Maria de Padilla confirmou à sua vila de Huelva todos os privilégios e liberdades que detinha. Mora cita a confirmação, Huelva Ilustrada, p. 66, sem mencionar o local nem o dia da data. E.

 

6. COMO ELREI DOM PEDRO PARTIU DE SOBRE GIJÓN E SE VEIO PARA CASTELA, E O QUE ACONTECEU.

ElRei Dom Pedro, desde que isto assim se passou, partiu de Gijón e veio para Valladolid, e soube como Dom Tello, seu irmão, e Pero Ruiz de Villegas, Mordomo-mor deste, depois que roubaram a récua de Burgos que passara por Aranda – vila de Dom Tello – se foram para Montagudo, um lugar do dito Dom Tello cerca de Aragão, e que, desde que aí chegaram, o dito Dom Tello se fora para elRei de Aragão e Pero Ruiz ficara em Montagudo, com companhas de armas, e fazia guerra daí.

E foi elRei para lá (1), e soube que Fuente Dueña, que era de Dom Tello, e Monox (2), que era de Pero Ruiz de Villegas, faziam guerra. E elRei chegou aos ditos lugares e eles defenderam-se algum tempo, mas em seguida deram-lhos. E elRei chegou depois a Montagudo, e Pero Ruiz livrou seu preito com ele de que não se faria guerra, e de que o não cercassem (3), e elRei fê-lo assim porquanto queria ir sobre Aguilar, que Dom Alfonso Ferrandez Coronel e os que com ele andavam faziam muito dano por aquela terra da Andalucia.

E elRei foi depois para Sória, e ali vieram mensageiros delRei Dom Pedro de Aragão e viram com ele algumas coisas sobre o feito de Dom Tello, quanto às quais elRei de Aragão lhe rogava que o quisesse perdoar. Outrossim firmaram com elRei amizades segundo que o dito Rei Dom Pedro de Aragão as houvera com seu pai, elRei Dom Alfonso (4).

 

Nota 1. Achava-se elRei Dom Pedro a 14 de Setembro em Aranda, segundo uma confirmação de morgadio que cita em seu Memorial, fol. 34, Dom Alvaro de Ulloa. E.

Nota 2. Está escrito o nome deste lugar: num instrumento original, Monox; em alguns livros, Munex, Munox e Munax; numa Abreviada, Muñon, noutra, Munon, e em outra, Nuño. As impressas em Sevilla, em 1495, e em Toledo, em 1526, têm Muñoz, que conforma mais com Munox, como está na que também se imprimiu em Sevilla em 1542. Z.

Nota 3. Abreviada, «E chegou a Monteagud, e fez-lhes preito de que lhes não faria guerra, e de que os não cercaria». Z.

Nota 4. Zurita, no livro 8 dos Anais, cap. 49 (p. 248), refere circunstanciadamente o que então se tratou e acordou. E.

 

7. COMO ELREI DOM PEDRO FOI À ANDALUCIA E CERCOU A VILA DE AGUILAR.

Isto feito, elRei foi-se para a Andalucia, porquanto lhe diziam que Dom Alfonso Ferrandez Coronel e os que estavam com ele em Aguilar faziam grande guerra por toda a comarca, e que prenderam numa peleja que tiveram Men Rodriguez de Biedma, caudilho do Bispado de Jaen, que elRei deixara por fronteiro. Outrossim soube elRei que Dom Juan de la Cerda, genro de Dom Alfonso Ferrandez, era partido de Aguilar – onde primeiro estava com Dom Alfonso Ferrandez, seu sogro – e que era passado além-mar e tratava e buscava acorro nos Mouros.

E elRei chegou à Andalucia e logo cercou a vila de Aguilar (isto foi no mês de Outubro deste ano), e pôs-lhe engenhos, mandou-lhe fazer muitas cavas e esteve sobre ela quatro meses.

E neste tempo morreu, dentro da vila de Aguilar, de uma pedra de engenho Juan Estevañez de Burgos – o qual fora mui privado delRei Dom Alfonso e seu Chanceler do selo da puridade – que com medo delRei Dom Pedro fugira e pusera-se ali com Dom Alfonso Ferrandez Coronel.

 

8. DO QUE ESTE ANO ACONTECEU NA CERDEÑA ENTRE CATALÃES, GENOVESES E VENEZIANOS.

Segundo que havemos dito (1), que ao fim de cada ano diremos algumas coisas das que aconteceram noutros Reinos e partidas, assim agora aqui contaremos o que este ano aconteceu no Reino de Aragão (2).

Assim foi que, neste ano, os Catalães faziam guerra ao Juiz de Arborea, que havia a Cerdeña, e tinham os Catalães cercado o castelo de Alguer, e os Venezianos ajudavam aos Catalães e os Genoveses aos de Cerdeña.

E tinham os Venezianos e Catalães setenta galés, e era Almirante dos Catalães Dom Bernal, Visconde de Cabrera. E os Genoveses chegaram com cinquenta galés, e era Almirante delas Micer Antonio de Grimaldo.

E foi a peleja, e estando o feito da batalha, cerca do meio-dia, em dúvida, houve vento no mar. E eram aí duas naus de Castela, e uma era de Castro de Urdiales, de duzentos tonéis, que diziam «a Rosa do Castro», e vinham ao soldo dos Catalães. E desde que houve vento chegava uma nau destas à batalha e passava por cima das galés dos Genoveses e, à galé que achava, afundava-a. E assim foram desbaratados os Genoveses, e escaparam dezanove galés das suas e perderam trinta e uma.

 

Nota 1. Não está este capítulo na de mão. Z. A locução adverbial «en peso» (em dúvida) e o verbo «anegar» (afundar) não se encontram em nenhuma outra passagem do texto. E. H.

Nota 2. Isto que aqui se refere não foi neste ano, e a batalha a que se faz menção deu-se a 27 de Agosto do ano que se segue de 1353. Z.