O espaço da História

Capítulo V - A política interior do império britânico antes da Entente e na época da sua criação

1. A POLÍTICA DE CONCESSÕES E DE PACIFICAÇÃO. OUTORGA DUMA CONSTITUIÇÃO AOS BOERS. A REFORMA AGRÁRIA NA IRLANDA.

Para percepcionar qual foi a principal força motriz da política interior e exterior de todos os governos, sem excepção, que se sucederam na Inglaterra durante os treze transcorridos entre a conquista das repúblicas boers e o início da guerra mundial, há que ter em conta os seguintes factos: os círculos dirigentes do Império Britânico foram-se gradualmente convencendo de que era inevitável um grande choque militar com a Alemanha; davam-se conta cabal da incomensurável importância económica e política que as consequências dum tal choque teriam para o Império; e, por isso, dispunham-se a fazer as maiores concessões, sacrifícios e compromissos que ainda há bem pouco tempo consideravam inadmissíveis ou inimagináveis; faziam-no no propósito único de se assegurarem, no momento decisivo, das máximas probabilidades de vitória sobre o temível inimigo. Todo esse esforço teve por objectivo: 1) reduzir ao mínimo a possibilidade da explosão dum movimento revolucionário na Irlanda ou mesmo na Inglaterra, nas regiões da África do Sul recém-conquistadas ou na Índia, e 2) assegurar o maior número possível de aliados entre as grandes potências, bem como ainda ao nível das potências do segundo grau. Com frequência, ambos os pontos do programa reclamavam grandes e amargos sacrifícios, e muitos deles foram efectivamente praticados no lapso de tempo que decorreu de 1901 a 1914. Este procedimento táctico viu-se coroado de êxito, ainda que, de acordo com o ponto de vista daqueles que o puseram em marcha, não haja sido completamente realizado.

O segundo ponto – o da aquisição de aliados pela Inglaterra – será por nós analisado em capítulo seguinte. Agora, no presente capítulo, vamo-nos ocupar exclusivamente do primeiro ponto, considerando a política do governo britânico que foi desenvolvida dentro dos limites do seu próprio Império.

Anotaremos, antes de mais, que esta política, no sentido que acabámos de assinalar, não variou ao longo do referido período que abarca todo o reinado de Eduardo VII (22 de Janeiro de 1901 a 6 de Maio de 1910) e os primeiros anos do reinado do seu filho e sucessor, Jorge V (desde 1910 até ao começo da guerra mundial, em 1914), não obstante se haverem revezado no poder, no decorrer desse lapso, vários gabinetes de diversa natureza partidária: o conservador de Robert Cecil Salisbury (até Julho de 1902), o conservador de Balfour (Julho de 1902 a Dezembro de 1905), o liberal de Campbell-Bannerman (Dezembro de 1905 a Abril de 1908) e o liberal-radical de Asquith (de Abril de 1908 até Dezembro de 1916). Os conservadores prosseguiram uma política de concessões no que se referia à questão irlandesa e aos assuntos coloniais, e os liberais levaram-na a cabo no âmbito das próprias relações sócio-económicas e políticas da Inglaterra, mas, durante todo esse tempo, sempre se assistiu à prática da mesma política de concessões sucessivas tendo por fito alcançar uma rápida pacificação, mesmo que fosse apenas temporária, dos elementos sociais descontentes.

 

I) A outorga duma Constituição aos boers.

 

A 31 de Maio de 1902, de acordo com o tratado então firmado em Pretória, os boers, definitivamente vencidos e privados de qualquer hipótese de continuar a guerra, reconheceram-se súbditos do rei de Inglaterra. Todavia, não só se lhes prometeu, desde logo, a mais ampla autonomia e a plenitude de direitos cívicos e políticos, como, de facto, a promessa foi cumprida.

Passados alguns anos, as colónias do Transvaal, Orange, Natal e Cabo (que já possuíam legislaturas e governos próprios) passaram a ser províncias da recém-formada União da África do Sul, promulgando-se e passando a vigorar uma Constituição segundo a qual o poder legislativo era exercido pelos representantes do povo eleitos por sufrágio geral em cada uma das províncias, e os gabinetes ministeriais, não obstante serem formalmente designados pelo governador-geral, revezavam-se no exercício do poder administrativo segundo as votações na câmara dos representantes, perante a qual respondiam. O governador-geral, que era nomeado pelo rei, seguindo as instruções de Eduardo VII, colocou no cargo de primeiro-ministro o general Botha, que fora durante os anos da guerra anglo-boer a alma da tenaz resistência contra os ingleses. Contudo tal não significou que nas ex-repúblicas boers as coisas se tenham desenrolado e continuem a desenrolar na mais idílica das bonanças, com todos a mostrarem-se satisfeitos. A situação da classe trabalhadora (já para não falar dos coolies chineses “importados” e sujeitos a uma desapiedada exploração) é muitíssimo pior na África do Sul do que, por exemplo, na própria Inglaterra. E outros sectores da população há, como os cafres, que têm toda a razão para estarem descontentes [este livro de Tarlé foi publicado em 1927].

Com estas concessões aos boers os ingleses atingiram o seu principal objectivo: e quando, já no decorrer da primeira guerra mundial (segunda metade de 1914 e inícios de 1915), na África do Sul se sublevaram alguns milhares de boers, determinados a reiniciar a luta contra a Inglaterra, pouquíssimos foram os que depois se lhes juntaram, com a revolta a ser esmagada sem dificuldade. De um modo geral, durante os anos de 1914 a 1918, as ex-repúblicas boers não causaram problemas aos ingleses, tendo, bem pelo contrário, chegado até a prestar-lhes ajuda.

Mas os frutos das concessões que a Inglaterra fez aos boers só vieram a manifestar-se posteriormente; e no lapso que decorreu de 1902 a 1906, enquanto esta política era levada a cabo, muitos (entre os quais se encontravam órgãos muito influentes da imprensa continental europeia), ao assinalarem essa inaudita condescendência, após uma longa e encarniçada luta, dos vencedores para com os vencidos, nela viam a prova irrefutável de que a Inglaterra, no seu íntimo, se reconhecia debilitada.

 

II) A reforma agrária na Irlanda.

 

Maior impressão ainda causou a concessão que o governo britânico fez de seguida: um gabinete conservador resolveu levar a cabo aquilo que fizera recuar, na sua época, o próprio Gladstone. Decidiu-se implementar na Irlanda, em grande escala, uma reforma agrária radical e, não obstante os enormes gastos que essa medida reclamava, converter o arrendatário irlandês carente de terra, revolucionário natural e eterno, em pequeno proprietário. Por outras palavras, tornava-se necessário acabar com a grande herdade velha de séculos e devolver a terra – de que os irlandeses haviam sofrido o definitivo esbulho no século XVII – aos desapossados camponeses dessa ilha; e quanto aos landlords, isto é, os latifundiários que exploravam os irlandeses mediante o arrendamento destas mesmas terras, compensá-los em maior ou menor medida à custa dos dinheiros de Estado. Isto começou a ser implementado em 1903, quando o gabinete conservador de Balfour fez aprovar no parlamento a reforma agrária (bill Wyndham), que destinou um crédito de 112 milhões de libras esterlinas (100 milhões em empréstimos + 12% de bónus para os latifundiários) para que a terra fosse resgatada àqueles latifundiários e entregue aos camponeses rendeiros (tenant farmers), pagável a juros ligeiros e em longos prazos.

O resgate total da terra para os tenant farmers prorrogava-se por 68 anos, com prestações (amortização + juros) substancialmente inferiores (cerca de 25%) à renda que até então tinham de pagar, por essa mesma terra, ao landlord. As consequências da reforma foram notáveis, em especial a partir do momento (ano de 1909) em que foi introduzida a alienação forçosa da terra, a expropriação, se o latifundiário não queria vender a sua propriedade; em tais casos, o governo, já na posse da terra, vendia-a ele próprio aos camponeses arrendatários, comprometendo-se estes a pagá-la por prestações naquele prazo de 68 anos. Antes ainda do eclodir da guerra, mais de metade da terra dos landlords já havia passado para as mãos dos camponeses, e este processo não se deteve nem durante a guerra nem depois dela. Assim, a pequena propriedade agrária implantou-se na Irlanda de forma extraordinariamente rápida. O fisco teve que suportar enormes compensações, dado que a terra dos landlords era paga intencionalmente a um preço mais alto (12% de bonificação) do que aquele que vigorava no mercado. Curiosamente, mesmo depois de ter sido publicada a lei relativa à expropriação, à venda forçosa das terras, o governo continuou a pagar aos proprietários um preço superior ao devido. E há ainda a notar que o governo recorria a este método com muito relutância, considerando-o um procedimento algo “perigoso”. Porém, a mera existência desta lei de expropriação da terra teve como que um efeito mágico: o de fazer cessar toda e qualquer resistência por parte dos landlords.

 

2. LLOYD GEORGE: A ERA DAS REFORMAS SOCIAIS.

 

Mas a liquidação dos problemas resultantes da guerra anglo-boer e a reforma agrária irlandesa representavam tão só o início da era de concessões e compromissos para o Império Britânico de que estamos aqui a tratar. Estavam ainda iminentes outras decisões de grande alcance – também elas de compromisso, também elas calculadas para os anos seguintes – sobre toda uma série de questões fulcrais respeitantes ao regime político-social e ao modo de vida do Império. A concorrência alemã tornava-se de ano para ano mais forte, em diversos ramos da indústria da Inglaterra a crise ia-se desenvolvendo e o espectro do desemprego e da baixa dos salários erguia-se perante a classe operária inglesa cada vez com mais frequência. Se na última década do século XIX havia terminado a época do predomínio quase monopolista das importações de produtos ingleses em numerosos mercados, na primeira década do século XX o problema já se punha em termos do iminente desalojamento da Inglaterra de alguns desses mercados. O ascenso, numa forma quase elementar, dos ânimos revolucionários no seio da classe operária, que não se fazia notar na Inglaterra desde os finais do cartismo, isto é, desde os finais da quinta década do XIX, tinha inevitavelmente de voltar a pôr-se na ordem do dia, no futuro imediato, à medida que piorava a conjuntura económica.

Todas essas possibilidades e ameaças foram tomadas em consideração pelas camadas dominantes da burguesia. Todavia, antes de empreender qualquer passo no sentido da realização de reformas político-sociais e financeiras, os conservadores, guiados neste caso, como em muitos outros, pelo unionista Chamberlain, reclamaram a introdução do proteccionismo, ou seja, uma fortíssima limitação da liberdade de comércio com o exterior que existia na Inglaterra desde há mais de meio século. A ideia que presidia à agitação a favor do proteccionismo era a de que se tornava necessário encerrar os vastos domínios da coroa britânica aos competidores estrangeiros, convertendo o Império numa espécie de mercado único monopolista no que respeitava ao aprovisionamento de matérias-primas e ao consumo dos produtos da indústria britânica. É certo que por este caminho não se dava uma solução completa ao problema da concorrência alemã no mercado mundial em geral, mas uma parte tão considerável deste mercado quanto o era o Império Britânico ficaria garantida contra a penetração das mercadorias estrangeiras.

Contudo a campanha dos proteccionistas tropeçou numa resistência tenaz. Na média e pequena burguesia, bem como na classe operária, estava muito difundida a opinião de que o proteccionismo iria causar um considerável encarecimento do custo de vida em Inglaterra, e de que não traria, em compensação disso, qualquer vantagem assaz séria, de modo a que valesse a pena dar esse arriscado passo.

As eleições de Janeiro de 1906 vieram demonstrar que a maioria dos eleitores não via no proteccionismo qualquer remédio para a situação. Na Câmara dos Comuns eleita em 1900, com mandato até finais de 1905, contavam-se 334 membros do partido conservador (mais sessenta e oito deputados unionistas, 402); em Janeiro de 1906 foram eleitos somente 132 (com os unionistas, 157). Liberais e trabalhistas, que no período de 1900 a 1905 somavam tão só 186 na Câmara dos Comuns, elegeram em Janeiro de 1906 um total de 428 deputados. Esta maioria era ainda reforçada pelos nacionalistas irlandeses, que esperavam com a formação do gabinete liberal ver aprovada a autonomia da Irlanda.

E como o ponto principal das plataformas eleitorais fora precisamente o da introdução ou não do proteccionismo, a esmagadora maioria obtida pelos seus opositores, isto é, pelos liberais e os trabalhistas, cortava cerce, pelo menos momentaneamente, toda e qualquer consideração sobre a possibilidade de suprimir a liberdade de comércio.

Em Janeiro de 1906 foram eleitos 54 deputados do movimento operário (a maioria dos quais pertencente ao que logo de seguida se passou a chamar Labour Party: Partido trabalhista). Tanto os trabalhistas como os “sindicalistas independentes”, se bem que apoiassem a maioria liberal em todas as questões relativas à realização de reformas sociais, políticas e financeiras, não se confundiam no entanto com essa maioria, reclamando de forma insistente a execução inadiável das projectadas reformas e “radicalizando” sistematicamente as posições do partido liberal. A considerável influência, no parlamento, desses 54 deputados do movimento operário não se devia somente ao grande número de filiados no partido trabalhista; além do enorme peso social dos sindicatos, eles contavam, inclusive, com o apoio duma grande parte dos elementos operários que, deslocando-se mais para a esquerda, no sentido da acção revolucionária directa, já tinham rompido definitivamente com o movimento trabalhista.

Na própria conferência dos trabalhistas que se celebrara no ano de 1901 em Manchester, a corrente de esquerda (marxistas, socialistas revolucionários) detinha uma considerável minoria; em 1903, em Newcastle, já contava com quase metade dos votos da conferência anual (291.000 votos representados contra 295.000); em 1904, em Bradford, de novo se encontrou em considerável minoria; em 1905, na conferência de Liverpool, e em 1906, na de Londres, a corrente radical de esquerda alcançou significativos triunfos.

Para o governo liberal, a conclusão a tirar tornava-se bem clara: as reformas “a partir de cima” – e a implementar muito rapidamente – eram manifestamente necessárias. A questão não estribava numas quantas dezenas de votos parlamentares do movimento operário, mas sim nos milhões de operários sobre cujo estado de ânimo se podia ajuizar com base nos supramencionados factos. No gabinete liberal, que retomou os seus plenos poderes imediatamente após a realização dos comícios eleitorais, o efectivo dirigente dos assuntos políticos internos não era Campbell-Bannerman, o chefe de gabinete, mas o responsável pela pasta do Comércio, David Lloyd George. Este, pelas suas origens, pertencia à pequena burguesia do País de Gales. Defendeu, no gabinete, posições de um radicalismo extremo no que respeitava à acção política a seguir, e aderiu ao princípio, tal como ele próprio o formulou em dada oportunidade, de fazer ao movimento operário todas as concessões que fossem possíveis sem se verificar a destruição revolucionária do regime social existente. Em suma, foi ele quem assumiu o papel de principal executor das políticas de longo alcance.

Ainda no decurso dos momentos preparatórios para entrar a formar parte do governo, Lloyd George declarou, sem quaisquer rodeios, que ou bem o partido liberal realizava reformas sociais sérias, entabulava uma luta contra a “desapiedada exploração” de todo o povo pelos magnatas agrários, exigia e alcançava a debilitação do “bastião feudal” – quer dizer, da Câmara dos Lordes –, que impedia as reformas sociais, e implementava toda uma série de medidas contra a “vergonhosa pobreza” das aglomerações operárias, ou bem que, caso contrário, haveria de surgir e ganhar vigor um novo partido, chamado a apagar da face da terra os anquilosados e decrépitos liberais. Por outras palavras, Lloyd George queria fazer dos Whigs um partido de reformas sociais que, em tempo útil, “evitasse” ou “detivesse” o recrudescimento da luta entre o socialismo e o mundo do capital. “Até agora não foi feito qualquer esforço real para contrariar a propaganda socialista entre os trabalhadores. Quando tal esforço se tiver realizado, encontrareis aderentes inclusive entre os operários”, declarou ele em 1905, dirigindo-se aos seus correligionários.

Não obstante o seu pretenso “pacifismo”, Lloyd George nunca perdeu de vista a possibilidade de que eclodisse uma guerra contra a Alemanha, e guiava-se por tal perspectiva. Assim o iria provar, como veremos mais tarde, em Julho de 1911, quando pouco faltou para que o seu ameaçador discurso, no auge da crise marroquina, tivesse provocado uma guerra geral na Europa, três anos mais cedo do que ela efectivamente se deu. E por esta época, em 1911, o perigo de movimentações revolucionárias operárias no seio das massas trabalhadoras, em Inglaterra, era bem menor do que aquando da subida ao poder do gabinete liberal. Era essa, pelo menos, a opinião dominante na imprensa dos círculos governantes.

Examinemos de forma breve o que foi efectuado pelo governo liberal naqueles anos, em especial a partir de 1908, quando, após a enfermidade e demissão de Campbell-Bannerman, o cargo de primeiro-ministro passou a Asquith e Lloyd George deixou a pasta do Comércio para ser nomeado chanceler do Tesouro.

Em primeiro lugar, iniciou-se a aprovação duma série de leis de protecção à infância que, além do mais, não apenas asseguravam o ensino primário gratuito às crianças de pais indigentes, como ainda lhes passaram a proporcionar alimentação, igualmente gratuita, em cantinas instaladas junto das escolas.

No campo do direito do trabalho, logo em 1907, foi consideravelmente reduzida a possibilidade de utilizar o trabalho nocturno; e o das mulheres operárias foi mesmo suprimido e proibido por completo. As regras referentes à defesa da saúde dos operários, que vigoravam nas fábricas, foram tornadas extensivas e ganharam alcance geral, sendo aplicadas tanto aos que trabalhavam (por conta de outrem) nos seus próprios domicílios como aos que laboravam em pequenas oficinas ou em quaisquer outras instalações usadas pelos patrões.

Através duma série de disposições legais, foram consideravelmente ampliados os direitos de gratificação e indemnização, de pensões vitalícias, ao restabelecimento da saúde, etc., em todos os tipos de acidentes que os operários pudessem vir a sofrer durante o cumprimento da prestação de trabalho, assim como nos casos de contracção de “doenças profissionais” que viessem a afectá-los (1906-1907). Colocaram-se sob severo e efectivo controle todos os ramos da indústria em que, pela própria natureza das actividades, a saúde dos trabalhadores estivesse sujeita a especiais perigos. Especificaram-se onze categorias desses ramos de produção e, para a permanente vigilância quanto ao cumprimento das regras que a tais actividades eram prescritas, o governo criou onze novos cargos de inspectores, entre cujas obrigações se incluía a abertura de processos e persecuções judiciais sem contemplações de espécie alguma, de modo implacável, por assim dizer, contra os empresários culpados de violação, fosse ela intencional ou apenas devida a descuido, de tais regras.

Em 1908 estabeleceu-se a jornada de oito horas para os mineiros. Uma quantidade de leis promulgadas entre 1906 e 1909 era dirigida, do mesmo modo parcelar, à defesa dos interesses dos trabalhadores noutros tantos ramos da produção. A imprensa pró governamental mostrava-se muito favorável a esta política e tendia a exagerar, desde logo, a importância para a classe operária dessas melhorias parciais.

Através dum acto parlamentar especial determinou-se, em 1909, a organização duma bolsa de trabalho, bolsa essa que forneceu ao governo os dados necessários para a elaboração duma ampla lei da segurança social dos operários (1911). Os trabalhadores que perdiam o seu posto de trabalho e não encontravam outro, sem disso terem qualquer culpa, passaram a ter direito a um subsídio do governo durante um certo período de desocupação. Os assalariados também obtiveram o direito a um subsídio em caso de doença e à pensão de reforma por invalidez. De acordo com esta lei (Insurance Act), que foi elaborada por Lloyd George, os operários abrangidos pelo regime ordinário tinham direito a receber, em caso de doença, durante 182 dias (26 semanas), dez xelins, os homens, e sete xelins e meio por semana, as mulheres. Os medicamentos e a assistência médica eram, além disso, gratuitos. Quanto aos mais velhos (em virtude duma lei já anteriormente aprovada) e aos incapacitados para o trabalho, isto é, os inválidos, recebiam (tanto os homens como as mulheres) cinco xelins por semana.

Ainda antes que fosse aprovada a lei do seguro social operário (de 1911), em 1906, a partir duma iniciativa do governo, o parlamento deu o seu aval a uma proposta de lei que ampliou os direitos das associações sindicais (trade unions). Foi-lhes reconhecido o direito de organizar a ida de representantes sindicais às fábricas, oficinas e outros locais de trabalho, com o intuito de informar e persuadir, de modo pacífico, os operários em caso de paragem colectiva do trabalho nos respectivos estabelecimentos. Por outro lado, a mesma lei suprimia a responsabilidade judicial (cível) das trade unions face aos empresários que tivessem sofrido prejuízos em virtude dessas ou doutras actividades sindicais (por exemplo, aquando dum apelo à realização duma greve). Esta lei foi aprovada a despeito da tumultuosa oposição oferecida pelos conservadores (e por vários ministros do gabinete liberal). Em 1909, foi outorgado às trade unions o direito de constituir, junto com os empresários dos correspondentes sectores, comissões mistas para fixar o valor das jornas em diversos sectores onde o trabalho, muito mal pago, era efectuado por subcontratação e no domicílio dos operários, comissões estas que já antes existiam em alguns ramos como, por exemplo, o da indústria carbonífera.

Também toda uma série de disposições legislativas de alcance sectorial aprovadas entre 1906 e 1910, bem como de ordens administrativas que partiam de diversos ministérios, veio reforçar jurídica e materialmente, duma maneira inusitada, as trade unions, levando a que se estreitasse a aliança parlamentar entre o partido liberal e o partido trabalhista.

Simultaneamente, o governo deu uma série de passos a favor do pequeno emparcelamento na exploração da terra e para a recomposição da classe dos pequenos agricultores, que quase havia desaparecido em Inglaterra. Em 1907, o ministro da Agricultura, Lord Carrington, subdividiu as terras agrícolas da Coroa em pequenas parcelas e cedeu-as em arrendamentos praticamente vitalícios. Nesse ano e no ano seguinte (1908), foi aprovada legislação agrária de grande importância para a Inglaterra, os chamados Small Holdings and Allottments Acts, que impunham aos concelhos de condado o dever de entregar, naquela espécie de arrendamento vitalício, pequenos lotes para cultivo aos trabalhadores agrícolas e pequenos agricultores carentes de terra; essas terras, caso fosse necessário, eram retiradas, pelos ditos conselhos ou, em alguns casos, pelos comissários do governo, das mãos dos seus proprietários, os landlords, pagando-se a estes o preço de mercado ou a renda em vigor na região dada. Os beneficiados, tal como os que lhes viessem a suceder no cultivo do lote, obrigavam-se a pagar uma renda fixa às entidades estatais responsáveis, não sendo considerados proprietários desses lotes, e era o Estado que pagava na íntegra as indemnizações (ou as rendas, nos casos de arrendamento forçado) aos landlords. Deste modo, o princípio da alienação obrigatória da terra dos landlords (I) passou a aplicar-se não apenas na Irlanda mas também na própria Inglaterra.

 

(I) A lei obrigava o landlord a vender ou, em alternativa, a arrendar ao Estado por um longo período, período esse que podia ainda ser renovado. Mas mesmo no segundo caso, o landlord, que recebia uma renda fixa, perdia praticamente todos os seus restantes poderes sobre a terra, tendo de contentar-se com essa renda e a situação de mero proprietário formal. Aliás, os proprietários preferiam que as terras lhes fossem expropriadas, tendo protestado sobretudo contra o seu arrendamento forçado pelo Estado.

 

Vemos assim, de 1906 a 1909, toda uma série de esforços a nível legislativo e administrativo dirigidos, em grande parte, a atrair a classe operária e a tentar recompor e consolidar uma pequena burguesia agropecuária. De 1910 a 1914 esta política foi prosseguida quiçá a um ritmo algo mais lento, mas o governo teve então de dedicar-se, logo a partir de 1909, a empreender e travar uma encarniçada luta em torno do seu novo orçamento.

 

3. O “ORÇAMENTO REVOLUCIONÁRIO” DE 1909.

 

Foi este o famoso, o histórico “orçamento revolucionário” de 1909, que elevava consideravelmente as contribuições fiscais sobre os bens imóveis, os capitais e sobre os rendimentos que, duma maneira geral, assumiam a forma de rendas, tomadas estas no seu sentido mais amplo [receitas auferidas na ausência de qualquer actividade própria]. Foram aumentados os impostos estaduais sobre as transferências de propriedade, em particular nas sucessões. Os possuidores mais abastados, sobretudo os grandes proprietários de terras, muito poderosos na Inglaterra, entraram em guerra aberta contra esta proposta de orçamento. Aquando dum discurso em Glasgow, ao dirigir-se num enfático apelo à Câmara dos Lordes, Lord Milner declarou: “ Rechaçai o orçamento, e ao diabo com as consequências!” Mais tarde, Lloyd George dar-lhe-ia a resposta, ao dizer: “Os Lordes recusaram o orçamento, mas em seguida foram eles próprios para o diabo”.

Há duas perguntas que o leitor certamente não se pode deixar de fazer: 1) porque é que esse orçamento era necessário? 2) Quais eram as classes sociais que de facto se lhe opunham com tanta tenacidade?

A resposta à primeira pergunta não é difícil. As leis já em vigor para os desempregados e os mais idosos, assim como outras leis que haviam sido aprovadas entre 1906 e 1909 e as que se projectava apresentar nas sessões legislativas dos anos seguintes exigiam enormes redistribuições fiscais. E a tendência geral da política do governo impelia a que isso fosse alcançado com um orçamento inovador, ampliando a receita através dum forte aumento da carga fiscal a incidir sobre as camadas mais ricas da população.

Quanto à segunda pergunta, pode-se-lhe dar a seguinte resposta: na oposição ao “orçamento revolucionário” de Lloyd George encontrávamos, em primeiro lugar, os grandes proprietários de terras e os grandes magnatas da indústria e das finanças. Mas a massa da burguesia comercial e industrial também acolheu o novo orçamento sem grande satisfação, com parte dela a dar mesmo mostras dum certo descontentamento: a proposta afigurava-se-lhes demasiado radical. No entanto a aceitação do orçamento na Câmara dos Comuns quer pela maioria liberal, quer até, não no seu todo mas nalgumas das suas propostas, por uma parte da minoria conservadora, revelava que a burguesia governante se decidira a encontrar, através de medidas fiscais, as verbas necessárias ao financiamento daquele programa de redistribuição social da riqueza que já antes reconhecia ser, além de procedente, pura e simplesmente inevitável.

A situação era ainda complicada pelo facto de, em simultâneo com os gastos exigidos pela nova legislação social, haver também que atender às despesas, sempre em desmesurado crescimento, do exército e da marinha, pois que de modo nenhum se podia perder de vista, nem por um instante que fosse, a disputa com a Alemanha. Em 1895, na Inglaterra, o orçamento para o exército terrestre era de 19,5 milhões de libras esterlinas; em 1905, já atingia os 33,598 milhões. O orçamento da marinha era, em 1895, de 27,742 milhões de libras esterlinas; em 1905 chegara aos 42,769 milhões. Os gastos com a aplicação da lei das pensões iriam cifrar-se, até 1911, em 12,5 milhões de libras esterlinas. Assim, já nesse ano de 1909 era imperioso prover, em geral, ao enorme aumento das despesas estatais nos anos vindouros.

Ao elaborar a sua proposta de orçamento, Lloyd George decidiu aplicar essa maior pressão fiscal, em primeiro lugar, sobre a cúspide dos magnatas fundiários e os membros da mais alta plutocracia. A metade de todo o património fundiário da Grã-Bretanha era pertença de apenas 2.500 proprietários. No que à riqueza em geral diz respeito, 95% de todo o capital nacional encontrava-se, em 1908, nas mãos de um nono da população (8).

 

(8) Jacques Bardoux, “L’Angleterre radicale”, Paris, 1913, pág. 96.

 

Perante uma tal concentração dos bens mobiliários e imobiliários, tornava-se claro que a pretendida pressão fiscal podia ser exercida, sem o menor protesto e, inclusive, com o aplauso da esmagadora maioria da população, desde que recaísse sobre os grandes capitais e latifúndios. E, com efeito, o novo orçamento de Lloyd George elevava dum modo brusco a carga fiscal sobre as grandes rendas, quando, ao invés, ela já fora diminuída para os pequenos e médios rendimentos provenientes do trabalho (entre as 200 e as 2.000 libras esterlinas por ano). Com isso eram sobretudo prejudicadas tão-só 10.000 pessoas e, em troca, 700.000 saíam a ganhar. Aumentavam consideravelmente os impostos sobre a propriedade agrária, os direitos sucessórios e o comércio de bebidas alcoólicas. No geral, mais de 75% das novas despesas ficavam cobertas pelos novos itens das receitas exclusivamente a cargo das classes abastadas.

Lloyd George disse que, através do seu orçamento, feria, em primeiro lugar, os interesses dos magnatas agrários e, em segundo, os dos taberneiros. Pelo seu conteúdo, o “orçamento revolucionário” de 1909 diferencia-se de todos os anteriores, enquanto que aumentava as receitas em cerca de 17,2 milhões de libras esterlinas. Deste total, os proprietários de terras pagavam novos impostos e taxas num montante de 6.350.000 libras esterlinas; os proprietários das destilarias de bebidas alcoólicas e os estabelecimentos que as vendiam pagavam 4,2 milhões; a receita proveniente do imposto sobre o rendimento crescia em 3,5 milhões, e as taxas impostas aos automóveis elevavam-se a 600.000 libras esterlinas. Em rigor, apenas duas rubricas tocavam no bolso de toda a nação: o aumento das tarifas postais (650.000 libras esterlinas) e o aumento das taxas sobre o tabaco (1,9 milhões de libras esterlinas). Lloyd George declarou que essa maior carga fiscal que ele cobrava aos magnatas agrários, às tabernas e, em parte, aos capitalistas no seu conjunto (sobretudo através da super taxa sobre o rendimento), era indispensável ao Estado para a execução das novas leis sociais que visavam melhorar as condições de vida da classe operária e dos pobres em geral.

A luta contra o orçamento foi levada a cabo de forma encarniçada, contudo, e como é fácil de entender, sem qualquer êxito. O orçamento de Lloyd George passou na Câmara dos Comuns; porém, a 30 de Novembro de 1909, foi rejeitado na Câmara dos Lords por uma maioria de 350 votos contra 75. Esta votação dos Lordes pôs em causa a sua própria sobrevivência como câmara aristocrática de legisladores hereditários.

 

4. A REFORMA DA CÂMARA DOS LORDES.

 

Em 1909, aquando do início desta áspera disputa com o governo, a Câmara dos Lordes contava com 606 membros dos quais apenas menos de 90 estavam a favor do gabinete liberal, sendo todos os restantes conservadores. E entre estes últimos achava-se presente, em proporção ainda muitíssimo maior, precisamente aquela aristocracia agrária que mais prejudicada seria pela proposta de lei de Lloyd George. A rejeição da proposta de lei nesta Câmara provocou uma tempestade de indignação tanto por parte da classe operária como dalgumas camadas da pequena burguesia. A iniciativa de Lloyd George, o problema foi levantado nos comícios e na imprensa, debatendo-se que racionalidade poderia haver na sobrevivência duma Câmara arcaica, medieval, cujos membros o eram e se reuniam para deliberar invocando tão-só o suposto direito do seu nascimento, uma instituição onde estes legisladores hereditários e vitalícios gozavam do privilégio de anular qualquer lei, mesmo que ela fosse praticável e desejada pelos representantes do povo e estes a aprovassem previamente na Câmara dos Comuns.

No início de 1910 realizaram-se as eleições gerais para o parlamento. Os partidos da maioria governamental conquistaram 386 lugares, com os conservadores a conseguirem 273. Dos legisladores pró-governamentais, 275 eram do partido liberal, 40 do partido trabalhista e os restantes 71 do partido nacionalista irlandês. Esta Câmara pouco tempo durou. O governo não pôde chegar a nenhum acordo com os lordes, contra os quais a Câmara dos Comuns acabaria por aprovar uma lei que os privava do direito de rejeitar a legislação que já tivesse sido votada pela câmara baixa. Manteve-se a favor dos lordes apenas um direito de veto dilatório, não definitivo, para a maioria das leis. Mas no que respeita às “propostas de lei financeiras” como, por exemplo, e desde logo, os orçamentos, estas convertiam-se em leis sem praticamente ser possível postergá-las (apenas podiam ser retidas durante um mês, para aprovação, na Câmara dos Lordes), e os lordes perdiam até o direito de introduzir nelas a mínima alteração que fosse. Todo o papel da câmara alta, no que toca às propostas de lei financeiras, se via reduzido a uma mera formalidade. As demais propostas de lei, mesmo nos casos em que fossem rejeitadas pelos lordes, convertiam-se em leis e entravam em vigor desde que a Câmara dos Comuns as aprovasse em três sessões legislativas consecutivas (com a assinatura do rei a ser necessária, tal como dantes, para qualquer lei).

Porém, antes mesmo de procurar obter a aprovação deste último projecto, que alterava de todo a Constituição inglesa, o governo já havia decidido dissolver o parlamento. As novas eleições, realizadas em Dezembro desse mesmo ano, trouxeram resultados quase idênticos aos de Janeiro. A proposta de lei de reforma da Câmara dos Lordes foi aprovada pela Câmara dos Comuns e, após algumas vacilações, pela própria câmara alta, no que parecia ser uma espécie de suicídio: porém a câmara não podia fazer outra coisa, dado ter sido informada que, caso continuasse a resistir, o rei, usando do poder que lhe outorgava a Constituição, nomearia uma tal quantidade de novos lordes liberais que a proposta lei de reforma seria de qualquer modo aprovada. Em Agosto de 1911, o soberano assinou a nova lei.

Desta maneira, não só o orçamento de Lloyd George foi convertido em lei (os lordes haviam-no aprovado em Abril de 1910, ainda antes da reforma da sua Câmara) como, ao mesmo tempo, se derrubou um bastião dos privilégios aristocráticos. Confirmavam-se assim as palavras que Lloyd Georg tinha pronunciado em 1909, aquando de rejeição pelos lordes da sua proposta de orçamento: “Desta vez morderam o anzol: a sua concupiscência foi mais forte que a sua astúcia!”

A supressão da maioria dos poderes legislativos da Câmara dos Lordes foi um dos actos mais concludentes, na política interna, do gabinete liberal, porquanto, como sua consequência, tendiam a reduzir-se os elementos de discórdia que podiam ser particularmente perigosos no caso de um choque armado com o Império Alemão. Um outro acto de grande alcance foi a aprovação da norma que estipulava a remuneração dos deputados. A partir de então, desapareceu da vida política inglesa um dos traços característicos da época de domínio exclusivo de aristocratas e plutocratas.

Contudo tal não significava a desaparição de todos os rasgos, de todas as sobrevivências da época anterior. E ainda que, por regra geral, os publicistas ingleses da corrente liberal sejam propensos a exaltar duma forma exagerada o valor dessas reformas do pré-guerra, na realidade, nem a questão colonial nem a irlandesa, nem muito menos ainda a questão operária, a financeira ou, sequer, a dos assuntos constitucionais foram “resolvidas” no decurso do período de 1901 a 1914. Porém, o perigo potencial que elas encerravam apresentava-se agora algo diminuído, com o seu gume revolucionário temporariamente amolgado e embotado. Sob este prisma, tanto o gabinete conservador de Balfour, até finais de 1905, como os gabinetes liberais de Campbell-Bannerman, no período de 1905 a 1908, e de Asquith, entre 1908 e 1914, muito fizeram para que a diplomacia inglesa pudesse enfrentar a tormenta do ano de 1914 sem o receio duma qualquer explosão social, com um maior ou menor grau de intensidade, no interior do país.

Sem embargo do que acabámos de dizer, esta sucessão de acontecimentos já desde há muito que tinha começado a “projectar a sua sombra” – para usar a gráfica expressão inglesa – sobre a política europeia no seu conjunto. Assim, enquanto a atenção pública inglesa era absorvida pelos referidos problemas de ordem interna, o rei Eduardo VII, durante estes mesmos anos, por detrás das bambolinas, com a anuência e simpatia tanto do gabinete conservador como, posteriormente, de ambos os gabinetes liberais, ia concomitantemente trabalhando na criação da Entente.

Para nós, desde logo, o que se reveste da maior importância não são os pormenores das acções de Eduardo, nem tampouco o ambiente diplomático em meio ao qual surgiu e se consolidou a Entente, mas sim os factos objectivos – com destaque para os de natureza económica – que fizeram a Entente primeiro possível, com todas as fatais consequências que isso já acarretava, e a tornaram depois inevitável. Chegamos ao momento em que a coligação hostil montou o cerco à Alemanha. Antes de iniciar a narrativa do que concerne a esse complexo acontecimento, que influiu de forma tão poderosa sobre os sucessos ulteriores, há que caracterizar, ainda que seja em traços sumamente concisos, o caminho histórico percorrido pela Alemanha, desde o século XIX até ao preciso momento em que começou a sentir o lento apertar do laço e a entender o cerco no meio do qual se encontrava, para então desencadear toda uma série de tentativas visando romper esse cerco e, por meio desse mesmo esforço, mediante esse mesmo golpe, converter-se definitivamente em “potência mundial”.

A própria duplicidade desse objectivo constitui uma das dificuldades com que se depara todo e qualquer intento de análise dos acontecimentos que precederam o estalar da grande guerra. No entanto temos de procurar “não apresentar as coisas de forma mais simples do que elas são na realidade”, pecado que reprovava o filólogo Magnus ao historiador de filosofia Kuno Fischer. E é esse pecado que precisamente carrega, as mais das vezes, a historiografia europeia (e não apenas a alemã) quando se ocupa da derradeira década que precedeu a guerra.