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3 - A Aliança Dual e a Liga dos Três Imperadores

A Aliança Dual

O Congresso de Berlim (1878) teve consequências importantes para a manutenção da paz na Europa. Em primeiro lugar, materializou mais um passo no sentido da desintegração do Império Otomano que perdeu para a Rússia territórios na região do Cáucaso e viu ser reconhecida a independência e a autonomia de outros territórios nos Balcãs. Aqui, as Potências europeias estabeleceram novas fronteiras, mas fizeram-no segundo um modelo que poderíamos chamar “colonial”, ou seja, desenharam o mapa da Península dos Balcãs de acordo com os seus interesses, sem terem em conta os interesses das minorias nacionais que procuravam libertar-se do domínio otomano. Não passou a existir uma “Grande Bulgária” ou uma “Grande Sérvia”, mas foi reconhecida a independência ou a autonomia a pequenos principados por forma que nenhum seria suficientemente forte para conseguir a unificação dos territórios que se iam libertando. Desta forma, para as Grandes Potências, tornava-se mais fácil o exercício da sua influência, em especial para a Áustria-Hungria e para a Rússia. Isto também significava que os Balcãs permaneciam uma região onde os interesses austríacos e russos poderiam colidir.

Para o Reino Unido estava salvaguardada a questão do controlo dos Estreitos de Dardanelos e do Bósforo, que continuou nas mãos dos Turcos, e também a possibilidade de a Rússia ganhar preponderância naval no Mediterrâneo Oriental. A França e a Alemanha não tinham interesses directos na região, mas a Rússia sentiu-se prejudicada com as imposições estabelecidas pelo Tratado de Berlim. Para os Russos, Bismarck (1 Abril 1815 – 30 Julho 1898) tinha favorecido a Áustria-Hungria em detrimento da Rússia e o Czar Alexandre II (29 Abril de 1818 –13 Março de 1881) escreveu ao Imperador alemão queixando-se das posições que os representantes alemães estavam a tomar contra a Rússia nas negociações decorrentes da aplicação do Tratado de Berlim. O descontentamento russo ficou bem claro nos violentos artigos publicados na imprensa russa que procurava criar um clima antialemão, mais do que antiaustríaco. Mas, mais grave que todas essas manifestações antialemãs, foi o facto de a Rússia ter dado início à concentração de tropas ao longo da fronteira com a Alemanha, justificando esta acção com supostas ambições territoriais alemãs a Oriente. Alexander Mikhailovich Gorchakov (15 Julho 1798 - 11 Março 1883), Chanceler russo, acreditava que a Alemanha pretendia fazer da Áustria-Hungria a sua guarda avançada para uma penetração alemã a Oriente.

A animosidade da Rússia e o seu afastamento do Acordo dos Três Imperadores, levaram Bismarck a decidir com qual das duas Potências considerava mais vantajoso estabelecer uma estreita ligação diplomática. Bismarck tinha dois objectivos: manter a França isolada e encontrar aliados. Era pouco provável que a França republicana (os republicanos estavam em maioria na Câmara dos Deputados desde 1876) se aliasse a um Império Russo autocrático e extremamente conservador. Esperava-se uma atitude idêntica por parte da Rússia em relação à França. Uma aliança entre a Rússia e o Reino Unido também era muito improvável por causa dos conflitos de interesses na Ásia Central e no que respeita ao domínio dos Estreitos. Por outro lado, o desanuviamento das relações entre a França e a Alemanha começava a fazer-se sentir. No entanto, enquanto houvesse alguma possibilidade de o Império Russo encontrar alguma vantagem em formar uma aliança com a França, este seria motivo de grande preocupação para Bismarck. Entretanto, afastada a Rússia, o aliado natural da Alemanha seria a Áustria-Hungria. Foi nesta direcção que Bismarck desenvolveu o seu esforço diplomático.

Guilherme I mostrou preferência pelo relacionamento com a Rússia, atendendo aos laços familiares e de amizade com Alexandre II. Bismarck, não conseguindo manter a Rússia e a Áustria-Hungria no mesmo sistema de alianças, preferiu a aliança austro-húngara, não só porque era do interesse do Império Alemão manter a integridade da monarquia dual, mas também porque a considerava mais próxima da Alemanha e um aliado mais seguro. Em Agosto de 1879, Bismarck encontrou-se com o Ministro dos Negócios Estrangeiros austro-húngaro, Gyula Andrássy (3 Março 1823 – 18 Fev 1890), e chegaram a acordo. Bismarck pretendia uma aliança defensiva dirigida contra qualquer agressão vinda de qualquer potência ou grupo de potências, mas Andrássy não desejava que os termos da aliança pudessem ligar a Áustria-Hungria a uma guerra contra a França e, por essa razão, propôs que ficasse definido que a aliança era dirigida contra a Rússia, embora mantendo o seu carácter defensivo. Bismarck aceitou o ponto de vista austro-húngaro, mas encontrou uma forte resistência por parte de Guilherme I. Por fim, o Chanceler ganhou no braço de ferro com o Imperador.

Aliança Dual

O Tratado de Aliança entre a Alemanha e a Áustria-Hungria, também conhecido como Aliança Dual, foi assinado em Viena, a 7 de Outubro de 1879. Pela Alemanha assinou o embaixador alemão em Viena, Heinrich VII, Príncipe Reuss de Köstritz (14 Julho 1825 - 2 Maio 1906), e pela Áustria-Hungria assinou o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Gyula Andrássy. O texto do tratado estava dividido em cinco artigos [Texto do tratado, em língua inglesa, em https://wwi.lib.byu.edu/index.php/The_Dual_Alliance_Between_Austria-Hungary_and_Germany, visto em 2019-05-24]

«ARTIGO 1. Se, contrariando sua esperança, e contra o desejo leal das duas Altas Partes Contratantes, um dos dois impérios for atacado pela Rússia, as Altas Partes Contratantes são obrigadas a prestar ajuda mútua com todo o potencial de guerra de seus impérios e de acordo com o objectivo de concluir a paz em conjunto e por mútuo acordo.»

Este artigo definia claramente a Rússia como a terceira potência contra a qual é dirigida a aliança. Também define que a obrigatoriedade de ajuda surge perante a agressão da Rússia e não perante a agressão contra a Rússia por uma das partes. Define também que a ajuda a prestar por uma das partes implica um empenhamento total no conflito.

«ARTIGO 2. Se uma das Altas Partes Contratantes for atacada por outra Potência, a outra Alta Parte Contratante compromete-se, não apenas a não apoiar o agressor contra sua alta Aliada, mas a observar pelo menos uma atitude de neutralidade benevolente em relação à outra Parte Contratante.

Se, no entanto, a parte atacante for apoiada pela Rússia, seja por uma cooperação activa ou por medidas militares que constituam uma ameaça à Parte atacada, então a obrigação estipulada no Artigo 1 deste Tratado, de assistência recíproca com toda a força de combate, torna-se igualmente operativa, e a condução da guerra pelas duas Altas Partes Contratantes será também, neste caso, em conjunto até a conclusão de uma paz comum.»

Este artigo era particularmente importante no caso de uma agressão da França contra a Alemanha. Se tal viesse a suceder, a Áustria-Hungria apenas teria de manter uma atitude de neutralidade, mas, a observância do Artigo 2 salvaguardava a possibilidade de simultaneamente se verificar uma intervenção da Rússia contra a Alemanha. Neste caso, a Áustria-Hungria seria obrigada a intervir e competiria à Alemanha definir uma estratégia para, contando com o apoio da Áustria-Hungria, resolver a situação nas duas frentes. Ambos os artigos prevêem a conclusão da paz em conjunto.

«ARTIGO 3. A duração deste Tratado será provisoriamente fixada em cinco anos a contar da data da sua ratificação. Um ano antes deste período expirar, as duas Altas Partes Contratantes procederão a consultas mútuas com a finalidade de avaliarem se as condições que serviram de base ao Tratado ainda prevalecem e alcançarem um acordo tendo em vista a sua continuação ou possível alteração de certos detalhes. Se durante o primeiro mês do último ano do Tratado não for recebido qualquer convite por qualquer das partes para iniciar essas conversações, o Tratado será considerado como renovado por um período de três anos.»

O Tratado começava com um período de cinco anos e previa-se a renovação automática de três em três anos, a menos que uma das partes desejasse denunciá-lo ou alterá-lo. Estas eram as condições em que este tratado iria prevalecer até Outubro de 1918.

«ARTIGO 4. Este Tratado, em conformidade com o seu carácter pacífico e para evitar qualquer má interpretação, deverá ser considerado secreto pelas duas Altas Partes Contratantes e só será comunicado a uma terceira Potência mediante um entendimento conjunto de ambas as partes e nos termos de um acordo especial.

As duas Altas Partes Contratantes aceitam o risco em esperar, com base nos sentimentos expressos pelo Imperador Alexandre na reunião de Alexandrov, que o poder militar da Rússia não prove ser na realidade uma ameaça para eles, e acreditam não existir uma razão para, no presente, fazer uma comunicação; contudo, se se provar que esta esperança é errónea, as duas Altas Partes Contratantes consideram ser sua obrigação em lealdade comunicar ao Imperador Alexandre, pelo menos confidencialmente, que eles considerariam um ataque a um deles como dirigido contra ambos.»

A menos que surgisse uma nítida intenção da Rússia ou outra potência em atacar a Alemanha ou a Áustria-Hungria, ou ambas, o Tratado seria mantido em segredo. Perante a ameaça, poderia ser comunicado nos termos a acordar entre a Alemanha e a Áustria-Hungria. O segundo parágrafo deste artigo explica como deverá funcionar no caso de uma ameaça vinda da Rússia. No entanto, a existência da Aliança, mas não o seu conteúdo, foi tornada pública por Bismarck.

«ARTIGO 5. A validade deste Tratado depende da aprovação dos dois Altos Soberanos e deve ser ratificado no prazo de catorze dias após a aprovação ter sido garantida por Suas Altíssimas Majestades. Em testemunho disso os Plenipotenciários assinaram este Tratado com as próprias mãos e apuseram as suas armas.»

O objectivo da Áustria-Hungria, ao pressionar para que os termos do tratado fossem dirigidos contra a Rússia, era o de obter o apoio da Alemanha se um conflito de interesses nos Balcãs desse origem a uma guerra. Esta foi uma vitória diplomática da Áustria-Hungria a que se juntou outra, não menos importante, ao não ser obrigada a apoiar activamente a Alemanha numa guerra contra a França. A questão que se coloca é saber porque é que o Chanceler alemão aceitou estes termos. «A Alemanha era demasiado forte para permanecer distante das outras potências pois isso podia uni-las contra ela (…) A Alemanha era um gigante que necessitava de amigos.» [Kissinger, 1994, pp. 157-158] O tratado de aliança com a Áustria-Hungria apresentava-se como uma solução para esta questão, solução que se manteve até ao final da Primeira Guerra Mundial. No entanto, este tratado também retirou capacidade de manobra à Alemanha porque poderia obrigá-la a envolver-se num conflito nos Balcãs. Entretanto a Rússia também se encontrava isolada e, por isso, Bismarck acreditava que em breve tentaria uma nova aproximação à Alemanha.

 

A Liga dos Três Imperadores

Os interesses russos na Ásia Central poderiam provocar, a curto prazo, um conflito com o Reino Unido e, por isso, a Rússia precisava de garantir a segurança na Europa. No jogo das alianças, se a Alemanha conseguisse uma aliança ou um acordo (entente) com o Reino Unido, em caso de conflito a Rússia poderia ser confrontada com uma ameaça a Sul, na Ásia Central, e outra a Oeste, na Europa. O embaixador alemão consultou o Governo britânico sobre o papel que o Reino Unido desempenharia no caso de uma guerra entre a Alemanha e a Rússia e o primeiro-ministro britânico Benjamin Disraeli (21 Dez 1804 - 19 Abr 1881) garantiu-lhe o apoio britânico, mas já não foi tão claro no caso de haver um envolvimento da França nesse conflito. O que Bismarck pretendia realmente ao sondar o Governo britânico era «inquietar a Rússia para que ela, temendo um isolamento total, se virasse de novo para a Alemanha.» [Milza, 2007, p. 32]

A Rússia procurou quebrar este isolamento encontrando aliados. Uma aliança com o Reino Unido estava fora de questão devido ao conflito de interesses na Ásia Central ou na região dos Estreitos do Bósforo e de Dardanelos. Aqui, a situação era ainda mais grave do que na Ásia Central porque o poder naval russo não estava à altura de enfrentar o poder naval britânico e porque, se necessário, as forças britânicas atravessariam os Estreitos e atacariam a Rússia através do Mar Negro, atingindo a Ucrânia, a região mais rica, mas também a mais vulnerável do Império. Foi por esta razão que os Russos procuraram aliados no Mediterrâneo. A instabilidade interna da Rússia, onde cada vez mais os movimentos revolucionários faziam sentir a sua presença, levaram Alexandre II a assumir uma atitude cada vez mais conservadora, o que afastava mais a Rússia da França republicana que, além do seu regime democrático, tinha apoiado os Britânicos no Congresso de Berlim. A Rússia manteve-se isolada. A Itália, que foi igualmente sondada para uma aliança, não estava disposta a tomar uma atitude que pudesse colocá-la contra o Reino Unido já que a sua longa costa, a segurança no Mar Adriático e a necessidade de se deslocar livremente no Mediterrâneo a aconselhavam a manter-se próxima da maior potência marítima.

Sendo a Áustria-Hungria o seu antagonista natural nos Balcãs, a Rússia ficou com o seu espaço de manobra muito reduzido e apenas lhe restava preservar a sua tradicional amizade com a Prússia, agora com o Império Alemão. Poderiam até tirar vantagens desse bom relacionamento já que a Alemanha não tinha interesses directos nos Balcãs e, se não desejava privilegiar a Rússia em detrimento da Áustria-Hungria, também não desejava um conflito entre estas duas Potências. Por outro lado, a amizade com a Rússia era, para a Alemanha, a garantia de não ser obrigada a enfrentar uma guerra em duas frentes e, para manter essa amizade, podia pressionar a Áustria-Hungria em defesa dos interesses da Rússia ou poderia apoiar abertamente a Rússia em caso de conflito com a Turquia.

Em Setembro de 1879, Peter Alexandrovich Saburov (3 Abr 1835 – 10 Abr 1918), um diplomata russo que não nutria muita simpatia pelos movimentos pan-eslavistas, tinha sido enviado a Berlim com a missão de conseguir uma reaproximação entre a Alemanha e a Rússia. Saburov apresentou uma proposta de acordo em que a Alemanha permaneceria neutral numa guerra entre a Rússia e o Reino Unido, e a Rússia respeitaria a integridade da Áustria-Hungria na condição de esta não alargar a sua esfera de influência nos Balcãs. Tratava-se de uma proposta que servia claramente os objectivos de Bismarck e foi um bom ponto de partida para uma maior aproximação entre a Rússia e a Alemanha. O trabalho de Saburov foi facilitado pelo facto de ambos os imperadores serem favoráveis a esta aproximação e porque Gortchakov, Chanceler do Império Russo, ocupava o cargo apenas de forma nominal e estava a ser substituído por Nikolaj Karlovič Girs (21 Mai 1820 – 26 Jan 1895) que admirava a diplomacia de Bismarck.

A inclusão da Rússia no sistema em que se encontravam as duas Potências Centrais não era do agrado da Áustria-Hungria porque considerava que, desta forma perderia os benefícios que a Aliança Dual lhe trazia. O novo ministro dos Negócios Estrangeiros austro-húngaro, Heinrich Karl von Haymerle (7 Dez 1828 – 10 Out 1881), arrastou as negociações até que Bismarck lança um ultimato: «Se a Áustria recusar um tratado com a Rússia, fá-lo-á por sua conta e risco» [Milza, 2007, p. 33]. Viena acabou por ceder. A 13 de Março de 1881, Alexandre II morreu num atentado terrorista. O seu filho e sucessor, Alexandre III (10 Mar 1845 – 1 Nov 1894), apressou as negociações e a 18 de Junho foi assinado o tratado que unia as três Potências e criou um sistema de aliança que ficou conhecido como Liga dos Três Imperadores (Dreikaiserbund).

Alianças 1

Ao contrário do Acordo dos Três Imperadores, que não teve por base um tratado embora tenha permitido posteriormente a criação de convenções, a Liga dos Três Imperadores tomou um carácter mais formal pois foi criada por um tratado assinado em Berlim, a 18 de Junho de 1881. O Tratado contém seis artigos e um protocolo anexo, assinado na mesma data [Tradução do autor. Texto do Tratado, em língua inglesa, em em «The Three Emperors' League» in World War I Document Archive, Official Papers (https://wwi.lib.byu.edu/index.php/The_Three_Emperors%27_League), visto em 2019-05-25]:

«ARTIGO I

No caso de uma das Altas Partes Contratantes entrar em guerra com uma quarta Grande Potência, as outras duas manterão em relação ao conflito uma neutralidade benevolente e farão esforços para manter o conflito localizado.

Esta condição será aplicada da mesma forma a uma guerra entre uma das três Potências e a Turquia, mas apenas no caso de ter sido alcançado um acordo prévio entre as três Cortes quanto aos resultados desta guerra.

No caso especial em que uma delas obtiver um apoio mais positivo de um de seus dois Aliados, o valor obrigatório do presente Artigo permanecerá em todo o seu vigor para o terceiro.»

Este artigo estabelece a posição a assumir por cada Potência no caso de um conflito com uma outra não incluída neste sistema. Repare-se que o Artigo seria accionado em caso de o ataque partir de uma Grande Potência, o que quer dizer, da França ou do Reino Unido. No caso de uma guerra com a Turquia e para que se aplique o disposto no primeiro parágrafo do Artigo I, seria necessário que as três Potências definissem, em comum acordo, quais as alterações de fronteira ou outras imposições a serem aplicadas ao Império Otomano. Desta forma, procurou-se evitar que fosse criada uma outra situação idêntica ao Tratado de San Stefano (1878).

«ARTIGO II

A Rússia, em concordância com a Alemanha, declara a sua firme resolução em respeitar os interesses resultantes da nova posição assegurada à Áustria-Hungria pelo Tratado de Berlim.

As três Cortes, desejosas de evitarem todas as discordâncias entre elas, empenham-se em ter em conta os seus respectivos interesses na Península Balcânica. Elas prometem ainda a cada uma das outras que qualquer nova modificação no status quo territorial da Turquia na Europa apenas pode ser realizada em virtude de um acordo comum entre elas.

Por forma a facilitar um acordo contemplado pelo presente Artigo, um acordo para o qual é impossível prever todas as condições, as três Cortes inscrevem no presente momento, no Protocolo anexo a este Tratado, os pontos sobre os quais, em princípio, já foi estabelecido um acordo.»

A Áustria-Hungria e a Rússia comprometiam-se a não alterar unilateralmente o status quo nos Balcãs. Fazê-lo implicava um acordo prévio entre estas duas Potências, mas também com a Alemanha, não directamente interessada na região, mas interessada no relacionamento pacífico entre os seus parceiros da Liga dos Três Imperadores. O protocolo em anexo é um complemento a este artigo em que se fazia um ponto da situação relativo aos problemas dos Balcãs e sobre os quais existia um consenso.

«ARTIGO III

As três Cortes reconhecem o carácter europeu e mutuamente obrigatório do princípio do encerramento dos Estreitos do Bósforo e dos Dardanelos, fundado no direito internacional, confirmado por tratados, e resumido na declaração do segundo plenipotenciário da Rússia na sessão de 12 de Julho do Congresso de Berlim.

Vigiarão em conjunto que a Turquia não fará nenhuma excepção a essa regra em favor dos interesses de qualquer governo, autorizando operações de guerra de um poder beligerante na porção de seu império constituída pelos estreitos.

Em caso de infracção, ou para impedir que tal infracção seja executada, as três Cortes informarão a Turquia de que, nesse caso, a considerarão em estado de guerra contra a parte lesada, ficando privada, a partir de então, dos benefícios da segurança assegurada ao seu status quo territorial pelo Tratado de Berlim.»

A questão tratada neste Artigo tem a ver com o controlo do tráfego marítimo nos Dardanelos e no Bósforo. De acordo com a Convenção de Londres de 1841, confirmada com algumas alterações no Tratado de Paris de 1856 (fim da Guerra da Crimeia) e no Tratado de Londres de 1871, as Potências deveriam acatar as disposições internacionais sobre o «Encerramento dos Estreitos do Bósforo e dos Dardanelos». Em termos gerais, isso significava que os Estreitos estavam fechados a qualquer navio de guerra, excepto os navios dos aliados do Sultão, em tempo de guerra. Esta prática resultava em benefício do Reino Unido e em prejuízo do poder naval russo que, desta forma, tinha deixado de ter acesso directo ao Mediterrâneo.

«ARTIGO IV

O presente tratado entrará em vigor por um período de três anos contados a partir do dia da troca de ratificações.»

ARTIGO V

As Altas Partes Contratantes prometem mutuamente manter secretos o conteúdo e a existência do presente tratado assim como o protocolo que lhe está anexo.

ARTIGO VI

As Convenções secretas concluídas entre a Áustria-Hungria e a Rússia e entre a Alemanha e a Rússia em 1873 são substituídas pelo presente Tratado.»

O Protocolo anexo continha seis parágrafos respeitantes à situação nos Balcãs. Dele destaca-se o primeiro parágrafo: «1. Bósnia e Herzegovina. A Áustria-Hungria reserva o direito de anexar essas províncias quando lhe parecer mais oportuno.»

Este tratado que estabelece a Liga dos Três Imperadores não pôs em causa a Aliança Dual que continuou em vigor. As hipóteses que então se poderiam colocar eram a de uma guerra entre a Rússia e a Áustria-Hungria ou a Alemanha e a de uma guerra entre uma das Potências da Liga e uma Potência exterior ao sistema. No primeiro caso seria accionado o Artigo I da Aliança Dual, isto é, ambas as Potências da Aliança estariam em guerra com a Rússia. No segundo caso, por exemplo numa guerra entre a França e a Alemanha ou entre a Rússia e o Reino Unido, as outras Potências não seriam obrigadas a mais que manter uma posição de neutralidade o que libertaria a Alemanha ou a Rússia de uma guerra em duas frentes.

 

Bibliografia

GIRAULT, René, Diplomatie européenne, Nations et impérialismes 1871-1914, © 1997, Éditions Payot & Rivages, Paris, 2004, ISBN 2 228 89919 4.

KISSINGER, Henry Alfred, Diplomacy, © 1994, Simon & Schuster, New York, 1994, 912 p., ISBN 0-671-65991-X.

MILZA, Pierre, As Relações Internacionais de 1871 a 1914, © 1995, Edições 70, Lisboa, 2007, ISBN 978 972 44 1334 1.

SCHMITT, Bernadotte E., Triple Alliance and Triple Entente, © 1934, Henry Holt and Company, New York, 1945.

TAYLOR, Alan John Percival, The Struggle for Mastery in Europe 1848-1918, © 1954, Oxford University Press, Great Britain, 2001, ISBN 0 19 881270 1.

Texto do Tratado austro-alemão em «The Dual Alliance Between Austria-Hungary and Germany» in World War I Document Archive, Official Papers [https://wwi.lib.byu.edu/index.php/The_Dual_Alliance_Between_Austria-Hungary_and_Germany] (2019-05-25)

Texo do Tratado de 18 de Junho de 1881, Liga dos Três Imperadores, em «The Three Emperors' League» in World War I Document Archive, Official Papers [https://wwi.lib.byu.edu/index.php/The_Three_Emperors%27_League] (2019-05-25)

 

Torres Vedras, 26 de Maio de 2019

Manuel F. V. G. Mourão